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Coluna

Ineficiência, marca registrada da gestão pública e de sua incompreensão

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Aos vinte minutos do segundo tempo, a equipe de Jair Bolsonaro se movimenta de modo frenético para tentar jogar a bola pra frente e virar um jogo cada vez mais perdido no placar da economia e da opinião pública. E quem é esse adversário poderoso: os partidos de oposição ao governo, a mídia tendenciosa, o Judiciário, a CPI da COVID? Não.



É o próprio governo, fazendo gols contra, desde o início do mandato. O mesmo aconteceu com Dilma, “vitimada” por suas próprias inabilidades e incapacidades, além de alvejada por fogo amigo. As oposições, como sempre, são incômodas e barulhentas, mas pouco eficazes.
 
O governo central, qualquer deles, detém ampla vantagem competitiva sobre seus oponentes, até pelas centenas de bilhões que aloca e pelas dezenas de milhares de nomeações à sua disposição.

Quando uma estrutura se retorce e quebra, como no episódio recente do infelicitado prédio em Surfside, Florida, ela desaba pela perda paulatina de seus pilares de sustentação, dia após dia, numa sucessão de falhas não corrigidas. O desabamento, a destruição, a perda de vidas, são meras consequências de uma ineficiência acumulada na conservação do prédio ou na estrutura do governo, conforme seja o caso.




 
A Constituição federal prescreve um “tratamento precoce” para evitar a deterioração e o desabamento de governos. Está no artigo 37 da nossa Lei Maior. Lá está dito, na cabeça do artigo, que a administração pública deve observar cinco princípios cardeais da boa gestão: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

Esse artigo 37, que abre o capítulo sobre Administração Pública, se aplica a todos os níveis de governo e aos poderes, constituindo verdadeira bula medicinal contra o cupim da má gestão pública. Bolsonaro, afeito a prescrever remédios caseiros, bem que poderia haver adotado esse quinteto da boa saúde admi- nistrativa. Hoje, estaria reeleito por antecipação.
 
Na bula constitucional, há um ingrediente – a eficiência – que potencializa os outros quatro importantes elementos da boa administração. A eficiência entrou na fórmula em 1998, por meio de uma emenda proposta por Fernando Henrique, talvez ele também prejudicado pela ineficiência na gestão dos primeiros anos do Plano Real, quando enfrentou a crise financeiro-fiscal de 1997, que o obrigou a dar um cavalo de pau nas despesas públicas.



O princípio da eficiência é vital, mas ainda pouco compreendido pelos gestores públicos. A maioria dos administradores pensa que eficiência se limita a um atendimento público sem burocracia. O conceito é infinitamente mais amplo.

Num pronunciamento dias atrás, o respeitado jurista Ayres Brito, ministro aposentado do STF, nos lembrava, sem tom de condenação, que o atual governo federal viola seguidamente o princípio constitucional da eficiência, dando como exemplo a tumultuada gestão dos recursos alocados no combate à pandemia.
 
O ministro Ayres Brito está coberto de razão. Ser eficiente exige a observância de critérios rigorosos no emprego das verbas públicas. Em 2020, consta que o governo federal teria despendido uma enorme fortuna – cerca de R$ 50 bilhões – exclusivamente nos gastos relacionados à profilaxia, diagnóstico e tratamento da COVID.



O número é cavalar, pois não inclui ajudas financeiras de qualquer espécie, quer às milhões de pessoas beneficiárias de auxílios, quer às empresas financiadas, quer aos estados e municípios socorridos. Mas onde teriam ido parar R$ 50 bilhões? Como se gastam R$ 50 bilhões sem prestação detalhada? A violação do princípio da eficiência é inequívoca.
 
O princípio da eficiência exige que o gestor saiba reportar o custo de cada programa, seja na área de saúde ou qualquer outra. Mas a administração federal não dispõe de uma contabilidade de custos. No governo, é impossível alguém dizer ao certo se uma ação pública, pequena ou grande, “valeu a pena”, ou seja, se os benefícios sociais de tal ação cobriram ou não os custos incorridos em sua realização.

A sequela dessa falha estrutural é que a corrupção, ineficiência do tipo doloso, grana que corre por fora dos programas e ações públicos, é apenas o topo de um iceberg de ineficiências culposas, fruto da pura ignorância nos controles administrativos.
 
Mesmo que não houvesse qualquer corrupção no governo, a ineficiência culposa, sem dolo ou má fé, já responderia por um dispêndio entre 10% e 20% em excesso ao necessário para realizar qualquer tarefa de Estado.

Quanto dos R$ 50 bilhões gastos em 2020 foram jogados fora no ralo da ineficiência dolosa (corrupção) ou culposa (ignorância)? A CPI da COVID tampouco investigou esses dados, que clamam por explicação adequada pela ótica da ineficiência do gasto público.




audima