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COLUNA

Sonho e pânico na França

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Em condições normais de vida, muitos jovens são infelizes por motivos dramáticos ou estéticos. Influenciados por personagens de teatro, cinema, romance, ídolos de rock, os jovens de todo o mundo sofrem do absurdismo dos sonhos. Pálidos, olhar perdido, roupas rotas, são inúmeras as gerações que um dia sentiram na pele o sem sentido d’O Estrangeiro, de Albert Camus. Com a maturidade e uma aposentadoria precoce, fica-se melhor e mais tempo jovem, é o que pensam os franceses.





Com sentimento parecido de eterna insatisfação, mais uma vez, em poucos anos, sofisticada, abastada e com tendência para o grandioso, a típica França vê seu povo atacado pela nostalgia de não se resignar à longevidade, que também acompanha a energia para o trabalho. E nas ruas, com violência, repete os pesadelos que a visitam. Pesadelos onde a luta pela felicidade é impulsionada pelo pânico de ter que aumentar a idade mínima da aposentadoria, como quer a reforma da previdência do presidente Emmanuel Macron.

Diferente da mentalidade padrão dos países anglo-saxões, que festeja o aumento da expectativa de vida esticando o tempo de trabalho, os protestos de Paris são para a lei de aposentar aos 62 anos continuar. “Dar a vida para o patrão, não”, é a faixa que os jornais franceses e europeus estampam, explicando a greve geral contra os dois anos a mais de labuta propostos pelo governo.

Com uma das mais altas taxas de inatividade do mundo, pela tradição de aposentadoria precoce, a França é recordista também na expectativa de vida que hoje é 85 anos. O que projeta, no mínimo, uma aposentadoria de 23 anos, para “poder fazer o que quiser e viver uma vida gloriosa pela única vez na vida”, dizem os mais exaltados. Trocando em miúdos sobre o raciocínio otimista acima, de manifestante parisiense entrevistado pelo Financial Times, de Londres, é possível deduzir o seguinte. Os pais já morreram ou estão em um asilo, a viuvez chegou, os filhos mudaram, não há mais hipoteca para pagar, a Índia merece ser conhecida, e os netos que visitam, se chateiam, são avisados que serão devolvidos à casa paterna.





O trabalho foi feito para complementar, e não para destruir. Apesar das críticas às reformas da previdência, mais de 55 países do mundo já subiram a idade mínima legal, inclusive o Brasil. A pressão demográfica, as melhorias na saúde da população e a realidade econômica pressionam os governos a ajustarem seus sistemas de seguridade. A partir dos anos 1990 as reformas previdenciárias se aceleraram e os parlamentos nacionais foram obrigados a aumentar a taxa de contribuição, quando não conseguiram aumentar a idade.

Outra forma de ajuste tem sido incorporar algum regime de capitalização privada individual de maneira obrigatória aos sistemas públicos. No entanto, o instinto mais persistente nas sociedades é o direito ao seguro obrigatório do Estado. A novidade é a participação mais ativa dos jovens nas manifestações. Reflexo do aumento cada vez maior do tempo de permanência na casa ou na dependência dos pais e avós.

Nasce cada vez menos gente e a proporção de idosos aumenta. Com menos jovens para trabalhar e mais aposentados para financiar, a previdência no mundo tende a quebrar. Só com aumento de impostos não é possível encontrar um equilíbrio. Enfrentar as desigualdades do trabalho exige um novo ser humano mais solidário. O que vemos é o estado de espírito das pessoas mais sombrio diante das responsabilidades do mundo moderno e as dificuldades políticas de enfrentá-las.





A atualização permanente da idade legal para se aposentar, a porcentagem do salário que o trabalhador passa a receber quando se aposenta, a distinção etária entre homens e mulheres, não separam mais países ricos, pobres ou emergentes, democráticos ou autoritários, e atinge todos os continentes. Indo de 50 a 68 anos é menor na China, Rússia e França, e maior no Reino Unido, EUA e Grécia.

Incentivar pessoas idosas a trabalhar ou retrabalhar mais um pouco na vida deve também levar em consideração o grau de prazer e a qualidade do emprego que cada um tem. Uma sociedade mais equilibrada, com boas leis sociais e trabalhistas, saúde em dia, possibilidade de fazer poupança, diminuiria a pressão por uma pensão absoluta e salvadora. O justo não como um consolo, mas como um conceito construído por todos, Estado, sociedade e economia.

Sempre há solução para conciliar trabalho e boa previdência. Para que o outrora feliz não seja uma memória penosa e o prazer de poder descansar no presente da velhice não seja um confronto com o desgosto de ter trabalhado mal no passado da vida adulta.