Jornal Estado de Minas

Comportamento

Entre nós e eles

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


 
"O homem africano", como eles mesmo se referem, "tem comportamento bem diferente dos demais" no que se refere à sexualidade. A começar pela obrigatoriedade de ter filhos; quanto mais, melhor. Ter prole grande atesta a força da mulher, contam. Não foram poucas as vezes que os ouvi conversando sobre o fato de um ou outro casal ainda não ter conseguido justificar o casamento. Digo conseguido porque querer sempre querem. 




 
Minha tradutora do português para o suaile, língua majoritária no campo de refugiados de Dzaleka, no Malaui, saiu do Congo bem jovem, se refugiou em Moçambique por 12 anos, e há dois está aqui. Ela e o marido formam um casal diferente, de hábitos passíveis de muitas críticas. Têm duas filhas, e ela faz uso de anticoncepcional, já que a família está de bom tamanho, e quando ela está trabalhando e ele não, as crianças ficam a cargo do pai. Estão preocupados em dar e ter o mínimo de conforto, sendo que uma penca de filhos poderia atrapalhar seus planos. 
 
Ela foi tachada de mulher preguiçosa (apesar de trabalhar de sol a sol), do tipo que só quer vida boa (que mal há nisso?) por fugir do sagrado dever da maternidade ilimitada (é impossível deixar por conta só de Deus a resolução dessa demanda). 
 
O esposo também recebe críticas dos vizinhos toda noite, por exemplo, quando pega os baldes e vai bombear água no poço artesiano, a fim de abastecer a casa para o dia seguinte. À noite, a disputa pela água é menor, o que o faz escolher a hora em que todos se recolhem para dividir com a mulher as tarefas da casa (que, definitivamente, não é coisa de macho). Dividir as tarefas de casa é sinal de que a mulher domina o homem, de que ela o "colocou dentro da garrafa". 




 
Se o casal não consegue ter filhos, a raiz do problema é depositada exclusivamente nela. As que nem sequer se casam perdem valor, por isso se preocupam em encontrar seus pares cedo, o que faz com que o amor  nem sempre esteja entre as prioridades. O gostar um do outro é algo que se aprende, acreditam. 
 
Homossexualidade é crime e é enorme a dificuldade em lidar com o tema. Melhor então nem falar sobre. Quando é detectada,  procura-se algo ou alguém capaz de fazer a reversão para a "normalidade". A traição, na tradição congolesa, dá ao marido o direito de fazer com o usurpador o que quiser, desde que não o mate, até porque este precisa sobreviver para pagar em bens materiais o prejuízo que causou ao casamento alheio. Nesse caso, a mulher pouca culpa tem, mas pode ser colocada pra fora de casa só com a roupa do corpo. 
 
De uma maneira geral, nos veem como pessoas muito permissivas e até nocivas. Criticam a intimidade que temos uns com os outros, principalmente entre amigos. Com homens e mulheres casados não se brinca, nem se abraça e beija, "pode despertar desejo". Aos pais, é vedado carinho físico com as filhas (o que não garante uma baixa taxa de abuso sexual) e o sexo antes do casamento é uma heresia (apesar de não ser tão incomum). 
 
Seriam essas características exclusivas do "homem africano" ou estaríamos "os outros", ao nos dividir entre eles e nós, tentando nos distanciar daquilo que sabemos que é o melhor, mas ainda não conseguimos de fato cumprir? 




audima