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Estado de Minas Comportamento

Costurando "mi vida"

Café da manhã, almoço e jantar fornecidos pelo Exército Brasileiro são fartos


01/08/2021 04:00

(foto: divulgação)
(foto: divulgação)

 
Estou de volta a Boa Vista, Roraima. Em dezembro do ano passado vim dar uma oficina de costura para refugiados venezuelanos através de uma parceria entre a Fraternidade Sem Fronteiras e a Acnur (Agência da ONU para refugiados). Insisto em dizer que dou aula para refugiados mesmo tendo aqui apenas alunas mulheres, ou seja, refugiadas. Tanto em dezembro como agora 26 se inscreveram.
 
Mas percebo que minha luta em trazer os homens para perto não tem sido inglória. Desta vez dois venezuelanos estão sempre na área. Um deles acompanha a esposa e tira suas dúvidas, o que acaba me ajudando bastante. Me contou que, onde morava no norte da Venezuela enquanto trabalhava no garimpo, chegou a fazer um curso de confecção de roupas íntimas. Não fosse a necessidade de fugir da fome e da pobreza, talvez hoje estivesse diante de sua própria máquina de costura e fosse dono de um negócio próspero.
 
O outro corre para arrumar qualquer problema que ocorra entre as alunas. Enche a bobina de linha, chama atenção se a linha está seguindo o caminho errado e alerta para a necessidade de pisar no pedal sem pressa, ajuda a estender os tecidos sobre a mesa, fornece alfinete. Contou que a avó o ensinou a costurar.
 
Os dois encabeçam a lista de inscrição para o próximo curso e não começaram agora exclusivamente por falta de espaço. Em oficinas como esta, enfrentamos todo tipo de dificuldade a começar pela infraestrutura. O número de máquinas disponíveis por aluno está longe de ser a ideal, o mobiliário costuma não ser adequado.
 
Mas acima de tudo conta-se com a força de vontade e dedicação de quem enfrenta o desafio de colocar a mão na massa e está disposto a superar qualquer problema que possa surgir. E surgem diversos a começar pela total falta de habilidade de muitos cuja carência de capacitação faz com que aproveitem tudo o que lhes é oferecido como se tudo lhes fosse adequado e prazeroso.
 
Primeiro fizemos colchas de retalhos de solteiro dupla face. Desta forma ensinamos e aperfeiçoamos a costura reta, assim como mostramos que pequenos pedaços de pano podem se transformar em uma grande "tela". Depois fizemos cortinas.
 
Como algumas famílias dividem as "carpas" (pequenas barracas de fibra sintética fornecidas pela ONU) uma cortina ajuda muito a manter o mínimo de privacidade. Ainda faremos um vestido leve e um conjunto de short e saia bem adequados ao clima de Boa Vista onde o calor extremamente úmido de mais de 30 graus na sombra é constante, mesmo no inverno.
 
Três das alunas haviam feito curso em dezembro. Por isso a necessidade de mudar sempre o conteúdo das aulas. Tê-las de volta é tanto motivo de alegria como de tristeza. É sempre bom ter conhecidos por perto, ajuda a fazer com que eu me sinta "em casa", mas saber que até agora não conseguiram ser interiorizadas é difícil de engolir. Um dos maiores problemas é que são famílias grandes, casais muito jovens com quatro/cinco filhos pequenos. Quando apenas um consegue posto de trabalho recebendo um salário mínimo, o que acontece com frequência, fica impossível manter a todos, numa terra que não é a deles, onde não conhecem ninguém. Preferem permanecer nos abrigos, um pedaço da Venezuela no que se refere a língua e a vizinhança, pelo menos.
 
Aqui não a fome de comida. Café da manhã, almoço e jantar fornecidos pelo Exército Brasileiro são fartos. Há segurança para quem escolhe viver nos abrigos oficiais, nos quais há regras a serem respeitadas e seguidas. Mas está longe de ser um estilo de vida que se procura em qualquer fase da vida. O problema é quando passa a ser o único que se tem por um tempo no qual só do início se tem certeza.

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