Jornal Estado de Minas

Florindo os jardins

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Se em nosso coração temos um deserto, como vimos no último artigo, temos também um jardim. Para o cristão, o mais célebre deles é o jardim do Deus criador, onde começa a história da humanidade narrada no primeiro livro da Sagrada Escritura, o Gênesis. Parece ter sido uma área cercada, com certeza fechada por barreiras naturais com toda sorte de árvores agradáveis de aspecto e boas para se comer e mais os animais e as aves. Situado no Éden, do lado do Oriente, o jardim tinha ainda um rio que regava a área e se tornava a cabeceira de quatro grandes rios.



 

Adão devia tomar conta do jardim e cultivar o que podemos chamar de paraíso, um lugar onde Deus representativamente andava e se comunicava com Adão e Eva. Enfim, um lar perfeito. Mas aconteceu a desobediência e a expulsão, o que nos leva a perceber que nem sempre um lugar de delícias conta histórias felizes.

 

O Antigo Testamento tem vários livros com narrativas de jardins. Eclesiastes fala de cultivar jardins e pomares, enchendo-os com árvores de toda espécie de frutos e reservatórios de água para regar o bosque das plantas que germinavam. Em Cânticos, há o jardim das nogueiras, vinha florida e romãs, e canteiros de aromas (provavelmente especiarias) e de lírios.

 

A Terra Prometida por Deus a Moisés era boa e espaçosa e nela corria leite e mel, bem diferente do Egito, de onde eles sairiam, onde cultivavam o que parecia ser pequenas hortas de verduras que eles irrigavam com o pé, talvez rodas de água movidas a pé, ou por irrigação mediante canais, abrindo e fechando com o pé as paredes de adobe dos canais para irrigar as diversas partes do jardim.



 

Interessante por onde estamos indo, falando de jardins, neste tempo em que somos privados deles, de nossas praças e parques, isolados em casa, reinventando a vida, fazendo perguntas sem respostas, tentando enfrentar um inimigo que a globalização espalhou e que agora ela mesma trata de corrigir, divulgando informações úteis de médicos e cientistas, unindo o mundo em torno de novos hábitos.

 

Adão, o primeiro homem, desobedeceu a Deus e foi expulso do paraíso. Nós temos praticado a obediência em busca de voltar a ter o direito de rios que se dividem em outros braços, canteiros de lírios e romãs, hortas irrigadas com os pés. Como os israelitas, séculos atrás, sonhamos com a Terra Prometida, com maná e mel. Queremos um jardim com toda espécie de árvores agradáveis.

 

Mas para chegar lá precisamos tratar agora do nosso jardim interno, o jardim nascido dentro da alma. Aproveitar os momentos de sossego, o silêncio nas cidades cada vez maior, para viajar para dentro, uma viagem de 15 minutos ou horas, muitas horas, dependendo de até onde você está disposto, disposta a chegar. O que temos em nosso jardim? Espinhos, flores, riachos, muito joio e pouco trigo, ou um campo de lavandas floridas como em Provence, França? Há que se caminhar com calma e com coragem, arrancar a erva daninha, custe o que custar. Essa é a hora que você vinha adiando há muito tempo, lembra-se?

 

Acomode-se na cadeira e visite o seu interior, sem medo, e como um zeloso jardineiro faça as podas necessárias, irrigue onde o chão está parecendo um deserto, afofe a terra, lance novas sementes, descubra preciosidades que o tempo escondeu, encontre o segredo de um jardim tranquilo. É tempo de germinar. Deixe que o beija-flor sinta-se à vontade pousando nas flores. Como Claude Monet, o mestre do impressionismo, crie seu próprio jardim. Todo mundo merece ter um jardim que possa chamar de paraíso.



 

Daqui a pouco os católicos iniciam as celebrações da semana santa, cujo ponto alto é a Páscoa. Num jardim Deus colocou a primeira criatura e de lá a expulsou. No Novo Testamento, é no Jardim das Oliveiras que Jesus sua sangue antes de iniciar a paixão, e é num jardim que é sepultado. Maria e os poucos amigos recebem o corpo de Jesus, o envolvem em panos de linho e óleos perfumados e o colocam em um túmulo onde ainda ninguém havia sido sepultado.

 

O novo Adão volta à terra. E no jardim nasce a semente que vai dar vida a todos. Cabe-nos fazer o jardim florir.