Jornal Estado de Minas

ENTRE LINHAS

Por uma cabeza, eleições dramáticas na Argentina

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“Basta de carreras, se acabó la timba/ Un final reñido, yo no vuelvo a ver/ Pero si algún pingo llega a ser fija el domingo/ Yo me juego entero, ¿qué le voy a hacer?/ Por una cabeza (por una cabeza)/ Todas las locuras (todas las locuras)”, o famoso tango de Carlos Gardel (música) e Alfredo Le Pera (letra), cujo nome intitula a coluna, é um retrato das paixões políticas na Argentina. Composto em 1935, a música fala de apostador compulsivo em corridas de cavalo que compara seu vício à atração pelas mulheres.



“Chega de corridas, acabou as apostas/ Não voltarei a ver um final disputado/ Mas se algum cavalo se tornar favorito no domingo/ Jogo tudo que tenho, eu vou fazer o quê? / Por uma cabeça (por uma cabeça) / Todas as loucuras (todas as loucuras)” é a tradução de uma eleição presidencial eletrizante, que está sendo acompanhada por toda a América Latina e que terá repercussões muito importantes para o Brasil.

Nas primárias eleitorais, os três candidatos mais bem colocados mostraram que a eleição pode ser decidida por uma margem muito próxima, cabeça a cabeça. É uma disputa entre um “outsider”, o histriônico Javier Milei, que se diz anarcoliberal; uma candidata de direita liberal, a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, que empunha a bandeira da lei e da ordem; e um político de centro, o ministro da Economia, Sergio Massa, que representa o atual governo, mas não assume o legado do presidente peronista Alberto Fernández.

Nas primárias, Javier Milei obteve 29,86% dos votos; a coligação de Patricia Bullrich, 28%; e Sergio Massa, 27,27%. Juan Schiaretti e Myriam Bregman qualificaram-se para estar no primeiro turno, mas ficaram muito atrás dos três primeiros. Também serão eleitos 130 deputados (são 257 no total) e 24 senadores (são 72 no total), governadores de Buenos Aires e Entre Rios e o prefeito da cidade de Buenos Aires, que é uma cidade autônoma.





A bipolaridade da política argentina, entre peronistas (centro-esquerda) e liberais (centro-direita), pela primeira vez, desde a redemocratização, em 1983, pode ser quebrada. Esses dois pólos nunca foram homogêneos e se adaptavam às conjunturas, porém a trajetória da Argentina, historicamente, é um fracasso continuado.

Fernández tentou realizar um governo com perfil social-democrata, mas cedeu ao populismo, à forte presença do Estado na economia e a políticas sociais financiadas pelo déficit público. O resultado foi uma inflação galopante e mais um colapso fiscal, em meio a tensas relações com o FMI, que cobra as dívidas argentinas.

Calotes sucessivos

De calote em calote, a decadência argentina parece irreversível:
  • 1827, 10 anos após a independência, a Argentina vendeu títulos da dívida em Londres que nunca foram pagos aos credores; 

  • 1890, após endividar-se para financiar a infraestrutura do país e a modernização de Buenos Aires, entrou em moratória; 

  • 1951, o fechamento da economia provocou um “default”, em meio à turbulência política, com 8 presidentes em 20 anos;
     
  • 1956, após o golpe militar contra o populista Juan Perón, o país esteve à beira da moratória, o que provocou a criação do Grupo de Paris;

  • 1982, a Argentina recorreu aos bancos ingleses e quintuplicou a dívida externa, de US$ 8 bilhões para US$ 46 bilhões, e não suportou o choque de juros nos Estados Unidos;

  • 1989, no governo Carlos Menem, a inflação galopante e a dívida crescente fizeram o país entrar em recessão e desvalorizar o peso ainda mais;

  • 2001, com o PIB reduzido em dois terços, a Argentina teve cinco presidentes em duas semanas e declarou a maior moratória de todos os tempos, US$ 95 bilhões da dívida;

  • 2014, no governo de Cristina Kirchner, um juiz americano determinou que a Argentina só poderia pagar credores após honrar seus débitos com um grupo de investidores dos EUA, disputa somente encerrada em 2016, quando Mauricio Macri pagou todos os credores.




Entretanto, o ex-presidente Maurício Macri também foi responsável por uma nova tomada de empréstimo junto ao FMI, de US$ 57 bilhões, em 2018. Em março de 2022, o presidente Alberto Fernández fez uma renegociação deste acordo com o fundo, no valor de US$ 45 bilhões. O afrouxamento da dívida se deve às intensas negociações de Sergio Massa com o FMI.

Esse é o trunfo de Massa nas eleições, além do apoio quase explícito do governo brasileiro, que intercedeu para a entrada da Argentina no Brics e concedeu um financiamento de US$ 689 milhões para a construção de um gasoduto. A candidata liberal Patricia Bullrich, que foi ministra de Segurança no governo anterior, defende um forte ajuste fiscal e combate à criminalidade. A grande novidade é o surgimento de Javier Milei, que lidera as pesquisas.

Peronistas e antiperonistas têm em comum a defesa e promoção da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos. Javier Milei, porém, rompe esse consenso. Elogia a antiga ditadura militar argentina, propõe o fim do Banco Central do país, a completa dolarização e o rompimento das relações comerciais com a China. Com Milei, o Brasil dificilmente conseguirá protagonizar o acordo do Mercosul com a União Europeia.