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ENTRE LINHAS

O objetivo da CPI da Covid não deve ser promover um carnaval midiático

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Ninguém tem dúvida de que a CPI da Saúde no Senado tornou-se o epicentro da disputa política entre governo e oposição na conjuntura marcada pela COVID-19. Entretanto, a pandemia está sendo domada, na medida em que a vacinação avança, enquanto o desemprego e a alta da inflação, dos juros e da cotação do dólar começam a ser os fatores de maior repercussão na vida da população. 



Ou seja, a urgência política está mudando e a CPI começa a perder o protagonismo que tinha, apesar de o elevado número de óbitos por COVID-19 ter se tornado um trauma que enluta mais de 600 mil famílias. É muita gente.

O depoimento do empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ontem, na CPI, ilustra a nova situação, na sequência das espantosas revelações da advogada Bruna Morato, na terça-feira, cujo relato da rotina de ameaças a médicos da operadora de saúde Prevent Senior durante a pandemia foi estarrecedor.

Enquanto Morato denunciou a falta de autonomia dos profissionais, a exigência da prescrição de remédios ineficazes e o envolvimento da empresa em um "pacto" com o chamado "gabinete paralelo" do Palácio do Planalto, Luciano Hang fez de seu depoimento um case de marketing político e comercial, ao confrontar a CPI, porque sustentou as posições negacionistas do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, e ainda aproveitou para fazer propaganda de sua cadeia de lojas de departamentos.





Segundo o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Hang orientava o presidente Jair Bolsonaro sobre condutas para o enfrentamento da pandemia e fazia parte do chamado “gabinete paralelo”, supostamente o estado-maior da política de enfrentamento da pandemia executada pelo Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello.

A grande contradição de seu depoimento foi o fato de que não ter questionado o atestado de óbito de sua mãe, que morreu de Covid-19, quando estava sob os cuidados da Prevent Sênior: a informação não consta como causa mortis no documento. O empresário admitiu que autorizou a utilização do chamado Kit Covid durante o tratamento, por&ea cute;m, atribuiu a subnotificação a um erro do plantonista e não à intenção de omitir o fato da opinião pública.

Outras prioridades

Mais importante do que o conteúdo do depoimento, porém, foi o circo armado pelo “velho da Havan” e o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) na própria CPI, cuja sessão foi das mais tumultuadas. Hang foi evasivo e driblou perguntas feitas pelos senadores sobre a operadora de saúde Prevent Senior, o que irritou o presidente da comissão, senador Omar Azis (PSD-AM), e o chamado grupo dos sete, formado por senadores de oposição e independentes.



A maior utilidade do depoimento foi revelar que a atuação de empresários bolsonaristas na pandemia, a estratégia adotada pela Prevent Senior e a política de Pazuello no Ministério da Saúde estavam em linha com o propósito do presidente Jair Bolsonaro de manter a economia funcionando a qualquer custo, mesmo que o preço a pagar fosse o alto número de óbitos, como acabou acontecendo.

A chamada “sociedade do espetáculo” é considerada uma forma perversa de ser da sociedade de consumo. Trata-se da multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum.

É um fenômeno contemporâneo, que vem sendo estudado há mais de 50 anos, cuja característica principal é a transformação das relações entre as pessoas em imagens e espetáculo, como acontece nas redes sociais. Não existe mais um limite entre a realidade e o espetáculo.





É aí que os líderes da CPI precisam levar em conta as mudanças de cenário e tomar cuidado para não perderem o foco. O objetivo da comissão não é promover um carnaval midiático, no qual os critérios de verdade e validade acabam diluídos pela retórica do conflito político, como aconteceu na sessão de ontem.

Talvez seja a hora de os integrantes da CPI priorizarem a elaboração de um relatório robusto, no qual os responsáveis pela tragédia humanitária em que se converteu a pandemia sejam apontados com rigor, bem como os crimes cometidos, devidamente tipificados e comprovados. Ou seja, é preciso partir para os “finalmentes”.


audima