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COVID-19 é muito mais do que uma 'gripezinha'

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O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O gene egoísta e evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS), intitulado “Como o coronavírus mata?, publicado em 17 de abril. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn Kaiser, Catherine Matacic, segundo Dawkins, é um dos melhores sobre a pandemia. “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.


 
Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico de que é apenas uma síndrome respiratória aguda. “Pode atacar quase tudo no corpo, com consequências devastadoras", segundo o cardiologista Harlan Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera vários esforços para reunir dados clínicos sobre o COVID-19. "Sua ferocidade é de tirar o fôlego e humilhante."
 
O artigo corrobora os relatos das pessoas que venceram a doença e dos médicos e outros profissionais da saúde que atuam nas unidades de terapia intensiva aqui no Brasil, que muitas vezes são duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e, em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os profissionais de saúde precisam neste momento dramático é mais apoio (equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.

Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões sejam o ponto zero, seu alcance pode se estender a muitos órgãos, incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil, devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.


 
Mais de 3 milhões de casos de COVID-19 já foram registrados no mundo, ultrapassando 240 mil mortes, sendo mais de 6 mil delas no Brasil, forte candidato a novo e mais dramático epicentro da doença. O continente registra o segundo maior número de casos confirmados de coronavírus, atrás apenas da Europa. Até sexta-feira, pelo menos 1,2 milhão de casos foram registrados na região, sendo mais de 1 milhão nos EUA. No Brasil, entramos na faixa de subida vertical nas próximas semanas: fechando a semana com 78 mil casos, somos o segundo da região, perdendo apenas para os EUA.

A escalada

O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais viu. O efeito devastador e multifacetado do coronavírus foi observado pelo médico Joshua Denson, pneumologista e intensivista da Escola de Medicina da Universidade de Tulane (EUA), quando avaliou dois pacientes com convulsões, muitos com insuficiência respiratória e outros cujos rins estavam em uma perigosa descida. Dias antes, suas rondas foram interrompidas quando sua equipe tentou, e falhou, ressuscitar uma jovem cujo coração havia parado. Todos eram positivos para COVID. A coagulação do sangue transforma alguns casos leves em emergências com risco de morte.
 
Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra pessoa as inala, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si mesmo e invadindo novas células.


 
À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana. Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o SARS-CoV-2 durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões, onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos, rins e intestinos.
 
Alguns médicos suspeitam que a força motriz em muitas trajetórias de ataque vertiginoso aos pacientes gravemente enfermos seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema imunológico conhecida como "tempestade de citocinas", pela qual os níveis de certas citocinas sobem muito além do necessário e as células imunológicas começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos, queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal, pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes, ainda mais num país como o nosso. A sorte, porém, é que ainda não está claro se as fezes contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.