Jornal Estado de Minas

TIRO LIVRE

A dança dos números nas camisas de Atlético e Cruzeiro

Houve um tempo em que bastava ver a numeração dos jogadores para entender como os times de futebol atuavam e quem era quem. Começava pelo camisa 1 e ia até o 11, sem firulas, nem surpresas. Era possível projetar o esquema tático da equipe e até determinar o estilo dos atletas – mesmo sem nunca tê-los visto atuar antes.



Hoje, isso é sinal de nostalgia. Cada vez que um clube libera a numeração das camisas para a temporada, entra em campo uma miscelânea de lógicas: da numerologia às superstições, passando por homenagens a familiares, há toda sorte de justificativa para a escolha de cada um.

Antes, não. Seguia, em 99% das vezes, o mesmo roteiro - começando pelo goleiro, obrigatoriamente o camisa 1. O lateral-direito estaria com 2 e o esquerdo, com a 6. A dupla de zaga vestiria a 3 e a 4. No meio, os jogadores mais de contenção usariam a 5 e a 8. O homem de criação levaria a 10. Com a 7 e a 11, atacantes caindo pelos lados do campo. E o centroavante envergando a 9.

Havia sensíveis alterações, como nas variações de esquema (4-4-2, 4-3-3 ou 3-5-2), mas estabeleceu-se quase um padrão internacional. 

Algumas numerações acabaram se tornando marcantes. A 10, por exemplo, passou a ser sinônimo de qualidade. Um carimbo de categoria e inteligência (e na mesma proporção um caminhão de expectativa) para quem a usasse. Não por acaso. Ela foi eternizada por Pelé. 





Todo esse saudosismo nos traz aos dias atuais, com o anúncio das numerações das camisas que os jogadores de Atlético e Cruzeiro usarão em 2023. O resultado dessa nova ordem mundial é que números tradicionais foram abandonados. 

Na Toca da Raposa, ninguém quis saber do 3, do 4 e do 6, sabe-se lá o motivo. 

Os zagueiros estão assim: Eduardo Brock (14), Lucas Oliveira (26), Neris (27), Reynaldo (29) e Luís Felipe (44). Entre os laterais-esquerdos, Kaiki (16) e Marquinhos Cipriano (39).

A histórica camisa 10, que no ano passado não teve dono, volta à cena, com Nikão. Não é difícil imaginar por que ninguém quis assumir, em 2022, a responsabilidade de carregar o número que foi de jogadores do quilate de Dirceu Lopes, Alex, Montillo e Everton Ribeiro e Arrascaeta. 



O Atlético também tem suas idiossincrasias. O camisa 1, por exemplo, é o terceiro goleiro, Gabriel Delfin. O titular, Everson, joga com a 22.

Seguindo a contagem oficial, o número 2 também não será visto em campo, já que foi deixado de lado. O lateral-direito Paulo Henrique, contratado ao Juventude, vestirá a 23, enquanto o veterano Mariano usa a 25 desde que chegou à Cidade do Galo.

A camisa 10 ficou com aquele que é considerado a principal contratação da diretoria alvinegra para a temporada: o meia-atacante Paulinho.

Foi quebrada, então, uma sequência que vinha se consolidando no clube: desde que Ronaldinho Gaúcho deixou o Atlético, só gringos usaram o número místico. Começou com o argentino Dátolo, que foi seguido pelo equatoriano Cazares e, depois, pelo chileno Vargas - que agora ficou com a 11.

Ninguém também foi anunciado, neste ano, com a camisa 12, que chegou a ser imortalizada pelo Galo em 2006, como forma de homenagear a torcida pelo apoio na campanha da Série B do Campeonato Brasileiro daquele ano, mas precisou ser reativada em 2013, com a volta do time à Copa Libertadores, já que a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) exige numeração fixa, de 1 a 30. Desde então, passou pelos goleiros Giovanni, Uilson, Lauro, Cleyton e Michael.

Sinal dos tempos, tanto quanto as chuteiras coloridas. Os números não seguem mais legados, como tantos outros aspectos do futebol moderno que ficaram no passado e hoje ficam guardados nos armários das lembranças.