Jornal Estado de Minas

TIRO LIVRE

Roger Federer é mais do que as impressionantes marcas de sua carreira

Categoria. Talvez nenhuma outra palavra descreva melhor o Roger Federer que, aos 41 anos, anuncia sua aposentadoria. Foi com a mesma elegância com que desfilou pelas quadras e ergueu troféus que ele informou ter chegado a hora de pendurar a raquete. Não se pode dizer que a notícia foi surpreendente – dado o histórico de lesões que o atormentou nas últimas temporadas –, mas não deixou de ser lamentável. Uma lenda do esporte que se vai.



O anúncio provocou uma comoção geral, que extrapolou as quatro linhas. Um de seus principais adversários, com quem Federer protagonizou alguns dos maiores duelos da história do tênis, o espanhol Rafael Nadal declarou: "Queria que este dia nunca chegasse". 

Não é por acaso. Com a saída de Federer de cena encerra-se um dos capítulos mais gloriosos do esporte, construído também pelos confrontos entre eles, que ajudaram a elevar Nadal igualmente ao olimpo. Dessa jornada ainda fez parte o sérvio Djokovic – outro com quem o suíço competiu, ponto a ponto, ace a ace, pelo topo.

Federer reunia a genialidade, a técnica e a classe. Com a neutralidade suíça, não se via envolvido em polêmicas, pelo contrário: destacava- se por encampar causas voltadas, sobretudo, para o cuidado infantil.



Embaixador da Unicef, é dono de uma fundação que atende crianças na África e doou cerca de 500 mil euros à ONG War Child Holland, para prestar assistência a crianças residentes na Ucrânia, afetada pela invasão russa. 

Sem contar o bom exemplo dado durante a pandemia de COVID-19, quando tornou pública a importância da vacina para frear a doença: "Estou feliz por ter conseguido tomar (a vacina), por causa de todas as viagens que faço. Fiz isso principalmente pelos outros. Não quero contaminar ninguém. Temos que ter cuidado. Nós (ele e a família) somos muito cuidadosos com tudo isso".

Em sua conta nas redes sociais, ele se identifica como "atleta profissional de tênis". Simples e preciso. Mas Federer é isso e muito mais: ciente de sua importância dentro de quadra e ainda mais do impacto que pode conseguir fora dela.



Com seu talento, atendeu ao dom que recebeu e, com maestria, o multiplica. Quantos desta geração gostam de tênis por causa dele?

Respeitou o tênis tanto quanto foi respeitado por ele. Uma via de mão dupla, que nem todos que se aventuram no esporte compreendem ou aceitam. 

Foi mais do que as impressionantes estatísticas que deixa como herança. Somou 103 títulos de nível ATP na carreira, 20 deles de Grand Slams, e a incrível marca de 310 semanas como número 1 do ranking mundial.

Em 24 anos dedicados ao tênis e mais de 1.500 partidas (como ele próprio destacou na carta de despedida), empilhou recordes e premiações – mais de R$ 680 milhões, calcula-se.

Emocionou muita gente e também se deixou emocionar. Ao longo desse tempo, não foram poucas as lágrimas derramadas em quadra, de alegria pelas vitórias e de tristeza pelas derrotas. O suíço metódico e concentrado nunca se furtou de mostrar que tem coração mole. 



A dimensão do que é Federer pode ser medida por uma análise publicada nesta quinta-feira pelo jornal francês "L'Equipe", que o equiparou a nomes do quilate de Pelé, Mohammed Ali e Carl Lewis. E perguntou: "Roger Federer, o maior esportista da história? Um debate sem fim".

"Suas 10 finais de Grand Slam, 23 semifinais e 36 quartas de final consecutivas são recordes que nem mesmo Djokovic e Nadal vão roubar dele. Se compararmos com outros esportes, os suíços não têm do que se envergonhar diante das três Copas do Mundo de futebol de Pelé, dos sete títulos mundiais de Michael Schumacher e Lewis Hamilton ou dos seis títulos da NBA de Michael Jordan", publicou o prestigiado periódico francês. 

Para embasar seu questionamento, cita declaração de outro lendário das quadras, John McEnroe – "Com ele, o jogo parece tão fácil, tão óbvio, tão fluido, tão bonito. O seu forehand é o melhor remate no nosso esporte" –, e traz uma descrição perfeita do escritor estadunidense David Foster Wallace, publicada em 2006 pelo "New York Times" sobre o jogo de Federer, chamado de "experiência religiosa".

"Trata-se da reconciliação do ser humano com o fato de ter um corpo.  Este é o talento dos futebolistas Pelé, Maradona e Messi, do saltador com vara Sergei Bubka (cujo recorde mundial durou 20 anos), dos velocistas Usain Bolt e Carl Lewis. E quando tudo parece previsível, o maestro Federer ainda consegue improvisar."

Pois a tudo isso Federer fez jus. Os adjetivos até parecem poucos. Sorte a nossa, que pudemos acompanhar este gênio em ação.