Jornal Estado de Minas

TIRO LIVRE

A 'idealização' de Cuca não é boa para ele, nem para o Atlético


A volta de Cuca foi um aporte de esperança para muitos torcedores do Atlético. Afinal, o treinador comandou a equipe alvinegra nas maiores glórias de sua história. Pelo trabalho que já desenvolveu na Cidade do Galo, merece o reconhecimento da torcida. O porém é esse estado de "semideus" ao qual ele foi alçado por muitas pessoas. Como se tudo ele pudesse. Como se tudo fosse se transformar, num passe mágica, com a simples presença de Cuca no CT de Vespasiano.



Mortal, o técnico precisa ser encarado com suas virtudes e seus defeitos. Como todos nós, também mortais, ele está sujeito a erros – como os que já cometeu (inclusive no Atlético) –, mas também propenso a acertos, como os que levaram o alvinegro a erguer taças de expressão em 2013 e 2021. Relembrar um e outro não deveria incomodar como incomoda. 

Nesse contexto, é legítimo tanto reconhecer o que Cuca já viveu de bom com o Galo quanto apontar as falhas que cometeu. Entram aí a insistente tentativa de apagamento do estupro em uma menor cometido por jogadores gremistas (um grupo do qual ele fez parte) na Europa e a forma como ele se desligou do alvinegro, duas vezes, após as conquistas de títulos de expressão. 
 
Cuca retorna ao Atlético amparado apenas pelas boas recordações. Parte da torcida dá a ele essa salvaguarda, uma espécie de carimbo de gratidão eterna, conferindo aspecto quase 'santificado' ao treinador.





Todos os seus pecados estão perdoados, Cuca, brada essa ala de atleticanos ao treinador. Ele reforça essa posição com o discurso de que não poderia ter negado o chamado do clube – sendo que, há pouco mais de sete meses, não se sensibilizou com os pedidos para que ficasse. Mas ninguém se lembra dos momentos de anti-herói. 

A saída de Cuca desencadeou, diretamente, uma série de erros cometidos pela diretoria. A começar pela contratação de Turco Mohamed, que passou até por sabatina com a cúpula alvinegra. Foi o plano D, não deu certo.

Quando a coluna Tiro Livre tratou assim a contratação do argentino, em 13 de janeiro, muita gente torceu o nariz. Ora, não passava de mera constatação: Turco não foi o primeiro, nem o segundo e nem o terceiro a ser procurado pelos cartolas atleticanos para o lugar de Cuca. Simples questão semântica, que muitos não entenderam.  

Pois Cuca decidiu, no ano passado, que mesmo com toda a estrutura montada, promessa de contratação de jogadores, etc e tal, ele não deveria ficar na Cidade do Galo. Sete meses depois, mudou de ideia, voltando para um trabalho de pouc mais de quatro meses. E foi saudado como herói. Milagreiro. Midas.



Essa relação não é saudável em nenhum ambiente, nem mesmo no passional mundo do futebol. Porque o status de intocável conferido a Cuca não combina com o esporte bretão. É muito efêmero, sobretudo no Brasil. Essa idolatria é parte integrante do ambiente futebolístico até a página 2. Advém de taças, e sem resultados positivos se desfaz como castelos de areia. 

Parece chegar ao patamar de uma dependência emocional. E criar muita expectativa em cima de alguém nem sempre dá certo. A cobrança por reciprocidade acaba vindo, e Cuca já mostrou que atende ao chamado da Massa, pero no mucho.

Futebolisticamente falando, ele é, sim, uma boa opção para o momento do Galo pelo fato de já saber o que o espera. O Cuca de 2022 sabe bem o que o Cuca de 2021 fez para conseguir levar aquele time ao limite, e encantar o Brasil.



Em tese, criador e criatura estão novamente juntos, precisando daquela conjunção astral favorável para colher os frutos. Não há garantias, apenas expectativas.

Aí entra justamente aquele que talvez seja o maior adversário do treinador: ele mesmo e a insegurança de não saber o ponto final deste novo capítulo. Cuca já admitiu que saiu do Atlético porque acreditava já ter extraído o melhor que podia daquele grupo. Grupo que é basicamente o mesmo que ele reencontra agora. 

Domingo, ele estreia para valer esta nova fase, no jogo contra o Internacional, numa complicada (porém, não impossível) caminhada de perseguição à taça do Campeonato Brasileiro. Logo na semana seguinte, tem o difícil desafio contra o Palmeiras, eliminatório, pela Copa Libertadores.

Entre o Cuca que chega e o que saiu há muita expectativa e algumas perguntas. É chegada a hora das respostas.