Jornal Estado de Minas

TIRO LIVRE

Torcer nos estádios continua liberado. Homofobia, que é crime, não



Torcer. Segundo definição do dicionário Michaelis, significa “manifestar com entusiasmo a preferência por um atleta, uma agremiação, um time etc.”. É aquela parte da festa que a gente gosta de ver nos estádios. Importante destacar, torcedor, que esse genuíno ato de torcer permanece liberado. Incentivar sua equipe, enaltecer seu jogador favorito, aplaudir seu treinador. Tudo isso continua como dantes no quartel de Abrantes. Você não só pode como deve ir a campo apoiar seu time do coração. Essa simbiose é parte fundamental da essência do esporte. Se você faz parte dessa ala, torcedor, não há com que se preocupar. Agora, continua proibido cometer crimes. Por isso, da mesma forma que você não pode bater em outra pessoa, entoar gritos homofóbicos resulta em punição – e grave, já que sua equipe pode, inclusive, perder pontos no campeonato. Portanto, melhor se ater ao puro, autêntico e nobre sentimento de torcer. Como ensina o dicionário.





Tal entendimento se faz necessário por causa da indignação que surgiu por aí depois que a Fifa endureceu as regras do jogo para tentar coibir toda forma de preconceito nos estádios. Já na Copa América em gramados brasileiros, a CBF foi punida por causa de gritos homofóbicos de torcedores da Seleção Brasileira na partida de abertura da competição, contra a Bolívia, no Morumbi. Cada cobrança de tiro de meta do goleiro boliviano Carlos Lampe era acompanhada pelo grito de “bicha”.

Desde 20 de agosto, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), atendendo à recomendação, atualizou as leis de homofobia e transfobia no Brasil – a exemplo do que ocorre fora do universo esportivo, atitudes homofóbicas passaram a ser duramente penalizadas e, dentro do código disciplinar, enquadradas como indisciplina. Importante avisar que o clube é punido até mesmo se o árbitro não perceber as injúrias. A identificação se dará de outras maneiras, como por imagens de TV. Não necessariamente serão julgados somente casos relatados em súmula.

Os árbitros já começaram a seguir a nova norma no Campeonato Brasileiro, interrompendo jogos diante de comportamentos preconceituosos por parte de torcedores, como o malfadado grito de “bicha” para os goleiros e músicas com ofensas de cunho sexual.





E aí começaram os comentários nonsenses de quem acha absurdo proibir homofobia – veja bem, um crime – no futebol. Como se os torcedores tivessem algum tipo de licença que lhes autorizasse a ter comportamentos condenáveis em arenas esportivas. O estádio não pode ser uma espécie de zona neutra, livre de punições, regras e qualquer balizamento moral. Um salvo-conduto para a ignorância humana.

Nunca entendi o sentido de quem vai a campo mais preocupado em xingar e ofender o adversário do que em torcer pelo próprio time. Torcidas organizadas que passam boa parte do jogo entoando cânticos falando que vão matar e vão morrer em vez de incentivar de fato sua equipe.

Dos mesmos criadores do “agora não pode nem torcer nos estádios” há pérolas como “não se pode nem elogiar mulher mais que é assédio” ou “não se pode nem sair mais, tomar uma e dirigir”. São os filósofos da era moderna, que consideram o mundo atual “chato” porque ofensas e injúrias não são mais aceitas passivamente. Despertam indignação. Um mundo em que está cada vez mais escancarada a luta por respeito ao próximo.





A punição a tais manifestações é até tardia. Já há algum tempo que esse tipo de medida deveria ter sido tomada no âmbito do esporte mundial – da mesma forma como o racismo precisa ser coibido mais severamente nos estádios. São comportamentos que estimulam a violência gratuita. Já vivemos em um cenário beligerante, com político falando que homossexualidade é falta de palmada na infância e poucas pessoas se incomodando com tal discurso. Em momentos assim, a saída é tolerância zero com quem é intolerante.

Não é que o futebol está perdendo a graça por causa da proibição de gritos homofóbicos nos estádios. Isso nunca teve a menor graça mesmo. Então, não há o que perder. Só a ganhar.

Tiro Livre se despede temporariamente para um período de férias, torcendo para que torcedores entendam quão legal é quando eles vão aos estádios para, simplesmente, torcer. Até a volta!