Jornal Estado de Minas

EXCLUSÃO

As cadeiras de bar que são o terror das pessoas gordas



O terror. O verdadeiro terror da pessoa gorda - ou com mais de 90 quilos: a cadeira de plástico de bar. Esta semana, o Twitter veio abaixo com uma publicação que julgava as cadeiras de madeira dos bares e, pasmem, exaltava as cadeiras de plástico. O que, claramente, só reforça o que repito aqui semana após semana, de diferentes formas e estilos narrativos: a pessoa gorda simplesmente não existe socialmente. 





Quantas vezes você pensou se sua companhia gorda caberia no rolê? Quantas vezes você pensou na acessibilidade do bar que você escolheu? Quantas vezes você não riu após ver a pessoa gorda se estabacar no chão? 



O que quero dizer é que os espaços não são preparados para corpos gordos - e cada vez mais, pensam menos nisso. Existe zero preocupação, como um aviso claro, em letras garrafais e neon: se diminua para caber. 

E isso inclui algo simples e muito inerente à cultura brasileira: sentar-se no bar e tomar algo com os amigos. 

Como nos lembra Denise Bernuzzi Sant´Anna em sua obra “Corpos de Passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea”.  “Os espaços citadinos e seus equipamentos são os primeiros a excluir a presença dos seres pesados e grandes: em escolas, cinemas, teatros e aviões, as cadeiras costumam ser mais confortáveis aos magros e pequenos. Para sentirem-se incluídas nesses espaços citadinos, as pessoas buscam adaptar o seu corpo aos traços que constituem a norma. Com o objetivo de ser parte integrante de tais representações, o desejo e a obsessão pelo corpo magro, esbelto, leve e delicado assume centralidade nos dias atuais, tornando tais representações hegemônicas”. 

Mas, não precisamos ir tão longe. Por que raios as cadeiras de plástico esborracham? As de madeira são desconfortáveis? Por que não podemos simplesmente caber? E me intriga que muitos equipamentos, inclusive educacionais, optem por cadeiras plásticas para seus frequentadores. Quem aguenta ficar horas sentado numa delas sem sentir desconfortável?

Há muito, na internet sobre empatia, mas pouco na prática. Por que as escolhas não envolvem um pensamento de que muita gente - majoritariamente quem pesa mais de 90 kg - ficará desconfortável e, muitas vezes, optará por não ir e pelo autoisolamento, a ter que se arriscar a cair na frente de um estabelecimento lotado. 





O buzz criado em torno da cadeira de madeira - que sim, é desconfortável, mas ainda sim é melhor do que a de plástico - me faz pensar que é urgente falarmos sobre acessibilidade e não só de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas de todos os corpos - incluindo os gordos. 

No entanto, me chateia e entedia que, em pleno 2022, eu ainda tenha que escrever sobre isso, que é óbvio: cadeiras de plástico não são confortáveis. E, o que mais me deixa abobalhada: há quem ofereça duas cadeiras no lugar de uma, como se isso resolvesse o problema da pessoa com mais de 90 kg num estabelecimento. Ora, jura?

Primeiro que os próprios fabricantes das cadeiras não recomendam que isso seja feito, segundo que o peso de uma, sobre a outra, já torna tudo mais inseguro e menos confortável. Simplesmente, não dá. É desconfortável. 

É econômico? Talvez. É prático pois dá para empilhar? Sim! É seguro? Não. Mas, sabemos que na sociedade neoliberal, o lucro e a suposta liberdade individual valem muito mais do que a vida, as subjetividades e a segurança. 





Em sua tese de doutorado, a antropóloga Malu Jimenez Jimenez revela que pesquisou as cadeiras plásticas e a acessibilidade. 

“O que quero dizer com isso é que a cadeira de plástico é muito frágil para qualquer um, como indicam pesquisas do Inmetro: Os resultados dos ensaios evidenciam que há problemas quanto à qualidade das Cadeiras Plásticas encontradas no mercado nacional é de não estarem de acordo com os requisitos da Norma. Das 12 (doze) marcas analisadas, apenas 3 (três) foram consideradas adequadas para uso residencial e para uso não residencial. (INMETRO, 2012)”

Há ainda, claro, a culpabilização da pessoa gorda que teima em existir, sair de casa e querer socializar - onde quer que seja, mas sobretudo num bar - sentando-se numa cadeira que claramente não suporta seu peso. 

Sendo assim, silenciosamente, faço meu protesto: deixo de frequentar espaços cujas cadeiras são apenas plásticas e opto pelos que pensam em corpos diversos. Poderia pedir, encarecidamente, que parem de comprar cadeiras plásticas para os seus estabelecimentos, mas eu cansei de gritar com quem não ouve. Logo, boicoto também, as amizades que endossam essas cadeiras, que as compram, que as celebram, no Twitter ou fora dele, espaços em que não cabemos. 

Existamos onde podemos caber e nos esparrar sendo do tamanho que somos. E só.