Jornal Estado de Minas

FORA DAS REDES SOCIAIS

E fora do story, como você trata as pessoas gordas?


 
“E fora do story, como você trata as pessoas gordas?” Você respeita, ou faz piada? Você se preocupa com a acessibilidade, ou não se importa? Você faz questão de dizer que é amigue, ou só alimenta seu feed com fotos de pessoas magras? 

E fora dos app de paquera, você também sai com pessoas gordas, ou só no sigilo? E fora da internet, você também ama mulheres gordas, ou só na DM do Instagram? E na vida real, o que você tira das pessoas gordas para manter seus privilégios? Qual a maneira que você escolhe para desumanizar mulheres gordas e se sentir melhor no mundo por ser uma pessoa magra? 
 
E fora das redes sociais, você assume relações afetivas com pessoas gordas ou diz que estava ‘louco, bêbado e drogado’ quando ficou com aquela pessoa em tal festa? Fora da internet, você trata bem as pessoas com corpos diferentes ou acha que deve puní-las porque elas despertam desejo em você? 
 
 
 
Eu já perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu comigo. Ora a amiga que comenta ‘lindaaa’ na minha foto, mas, minutos depois, faz um comentário maldoso sobre como ‘fulana engordou, tá horrorosa’, ora o amigo que diz que acha lindo meu ativismo, mas desmarca as marcações que fiz em fotos com ele no meu perfil, pelo medo de ser visto ao lado de uma mulher gorda. Ora o grupo de amigos que ri de piadas que oprimem pessoas cujo corpo é como o meu. Isso acontece todo ~fucking ~ dia. 




 
Inspiradíssima na pergunta viral da semana, que quer saber “e fora do story, ta tudo bem?”, com suas variações para “e fora Bolsonaro, tá tudo bem?”, “e fora do story, vou te pegar quando?” ou “Não tá tudo bem nem no story, nem fora dele” ou ainda “Fora do story eu tô precisando de R$ 15 mil” e também pelo perfil da influencer gorda Genize Ribeiro que foi onde eu vi, pela primeira vez, esse questionamento, e que, na mesma hora, se uniu a um incômodo que me persegue há algum tempo sobre ser uma mulher gorda e viver relações sigilosas, marcadas pela vergonha ou escárnio que sentem diante desse corpo lido como monstruoso. 
 
 

Na internet temos duas turmas polarizadas: a da galera desconstruidxs, que abraça a diversidade, mas só nos storys - e queremos saber, e fora dele? - e da galera que ama odiar. As duas são mais parecidas do que gostariam. E ambas oprimem, cada qual, a seu modo. Vem comigo nesse textão que vou te exemplificar como: 

Não raro, mulheres gordas que falam sobre corpos nas redes sociais recebem dois tipos de comentários: os odiosos - que falamos na coluna da última semana sobre a rapper Lizzo e o ódio que transforma ou os elogiosos. No final das contas, ambos desembocam no mesmo vazio existencial e solitário que é habitar um corpo dissidente. 
 
Expressões como: “necessária, maravilhosa, fada sensata, lacrou, nunca errou, etc.” aparecem de forma excessiva e esvaziada em comentários embaixo de fotos e vídeos e, por mais que a intenção seja boa, o que querem exatamente dizer? Ouso dizer que são tão desumanizantes como os comentários feitos por haters. 




 
 
 
Fora do story, a gorda “maravilhosa” que você elogiou também quer ser chamada para estar no rolê, ao seu lado e das suas amigas magras. Fora do story, a gorda “perfeita” não quer ter a foto que ela postou no feed e te marcou ocultada do seu perfil, só porque ela é um corpo gordo. Fora do story, a mulher gorda “incrível” que você faz questão de enaltecer virtualmente quer ser amada, quer receber afeto, quer ser olhada como uma pessoa. 

Não adianta reagir com ‘palminhas’ ou ‘foguinhos’ no story e rir de piadas gordofóbicas. Não resolve achar a gorda linda nas redes sociais, mas MORRER DE MEDO DE ENGORDAR na frente do espelho. Não adianta pedir para a amiga que é gorda e influencer divulgar seus produtos e, no dia a dia, rir das fotos que ela posta e se apavorar de “ficar daquele tamanho que já é demais”. Não adianta dizer, no Instagram, que ama sua amiga gorda e meter o discurso da ‘preocupação da saúde’ quando está com pessoas magras. 

De nada resolve fingir que apoia e se importa e, no final do dia, postar a foto do milkshake dizer que está fazendo ‘gordice’. Essa expressão horrível e preconceituosa. 
 
 

A vigilância, quando pensamos em desconstrução, deve ser constante. É preciso que estejamos atentes aos padrões que queremos parar de reproduzir e que são naturalizados, sobretudo quando falamos de pessoas gordas. 





Então, respondendo a pergunta da semana: fora do story não tá nada bem. Além das opressões estruturais que sofremos cotidianamente, ainda temos aquele fogo amigo de quem, aparentemente, está ali, nos amando e engajando, mas que, na prática, nos frita e machuca exatamente como quem está do lado oposto. 

As pessoas gordas querem estar bem e ‘maravilhosas’ fora dos stories também. E querem estar com você nas festas, nos encontros, nas fotos. 

E fora da web você é uma pessoa tão legal quanto quer aparentar ser?


 

audima