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Estado de Minas ATLETICO

Técnico Jorge Sampaoli revela sua paixão pela política, mais precisamente, a esquerda

Conhecido por ser um técnico inquieto, Jorge Luis Sampaoli inicia seus trabalhos no Galo trazendo na bagagem seu declarado interesse pela política, em defesa da democracia


09/03/2020 04:00 - atualizado 08/03/2020 21:10

Ainda nos primeiros anos de vida, o inquieto Jorge Luis Sampaoli Moya passava muito tempo numa fábrica de peças, na pequena cidade de Casilda, na província argentina de Santa Fé. Por lá, além de ajudar o tio, o garoto despertava para uma paixão que ainda o acompanha, aos 59 anos: a política. Mais precisamente, a esquerda.

O novo treinador do Atlético nasceu e cresceu em um país que enfrentava uma ditadura militar. A fábrica de peças do tio era ponto de encontro de peronistas, contrários ao regime. Ainda adolescente, Sampaoli tinha a função de avisá-los do perigo. “Se passava um Ford Falcón verde – carro preferido dos militares para sequestrar pessoas –, eu apertava um botão para que eles soubessem”, contou o técnico, em passagem da biografia No Escucho y Sigo, escrita pelo jornalista Pablo Paván.

Curiosamente, o pai de Sampaoli, Rodalgo, era policial. “Um que nunca atirou”, conta o filho. E um muito preocupado. Ao longo dos anos 1970 e 1980, o treinador foi advertido seguidas vezes para que tomasse cuidado quando fosse ouvir um dos rocks de que mais gostava: La Marcha de La Bronca, de autoria da dupla Pedro y Pablo. A canção critica abertamente a ditadura e fala sobre supressão de direitos, censura e esperança.

“Jorge é peronista. Ele viveu nos anos 1970, foram dias muito duros”, diz ao Superesportes o assessor do treinador, Ezequiel Scher. A corrente política surgiu com base nas ideias de Juan Domingo Perón, presidente da Argentina em três oportunidades (de 1946 a 1952, de 1952 a 1955 e de 1973 a 1974). Como conta Pablo Paván, Sampaoli chegou a ter na parede de casa um quadro de Eva Perón, ex-primeira-dama, atriz e líder política.

Em 2013, Sampaoli se definiu como “Kirchnerista” em entrevista ao jornal chileno La Tercera. Néstor Kirchner e Cristina Kirchner governaram a Argentina por 12 anos (entre 2003 e 2015). Em 2019, Cristina voltou ao poder ao ser eleita vice de Alberto Fernández e colocar fim ao governo do liberal Mauricio Macri, período em que o país vivenciou crise financeira e social.
“Estou feliz pelas mudanças que se deram na Argentina. O presidente (do Brasil, Jair Bolsonaro) tem uma opinião diferente. Respondo o que sinto, e pela chegada de um governo que estará próximo ao povo. O que espero é que os argentinos não sofram o que sofreram nos últimos tempos”, disse Sampaoli pouco após a eleição de Alberto Fernández e Cristina Kirchner.

Durante o governo Macri (2015-2019), o treinador chegou a se reunir duas vezes com o então presidente, identificado com ideais da direita e do neoliberalismo. Sampaoli, porém, deixou claro a jornalistas que aceitou os encontros com o político, que já presidiu o Boca Juniors, por “obrigação” do cargo de treinador da Seleção Argentina.

Ao Superesportes, o biografista Pablo Paván diz que Sampaoli se identifica com o peronismo e o kirchnerismo por conta da preocupação com as populações marginalizadas. “É um homem de esquerda. Sempre se vincula às necessidades dos mais frágeis. Está atento às necessidades do povo. É um homem de gostos e simpatias populares. Esses sentimentos populares estão incluídos no peronismo e no kirchnerismo. O povo argentino os elegeu em massa e eles governaram para essas pessoas com as quais Jorge se sente identificado”.

Longe da Argentina em boa parte dos últimos anos, Sampaoli se manteve vinculado a questões políticas e sociais do país. “Ele tem um grande compromisso com as Avós da Praça de Maio e as apoia muito”, diz Ezequiel Scher. A Associação Civil Avós da Praça de Maio é uma ONG de direitos humanos que tem como objetivo “localizar e restituir a suas legítimas famílias todas as crianças desaparecidas pela última ditadura”.

NO CHILE
Sampaoli passou oito anos no futebol chileno. Por lá, dirigiu O’Higgins, Universidad de Chile e a seleção. Durante o período no país andino, o treinador se envolveu diretamente com política. Não eram raros os encontros do argentino com a ex-presidente Michelle Bachelet, identificada com a esquerda e atual alta comissária para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Já como treinador do Santos, Sampaoli se manifestou publicamente contra o sucessor de Bachelet na presidência do Chile, Sebastián Piñera. “Valorizo muito a reação dos chilenos depois de tanto tempo de opressão”, posicionou-se o argentino, que conquistou de forma inédita a Copa América no comando da Seleção Chilena, em 2015.

“É um exemplo para todos na América do Sul. Lutar contra o neoliberalismo, que deixa o povo cada vez mais pobre. Uma rebelião contra os que estão no poder e só pensam nisso. Estou orgulhoso das pessoas com as quais convivi por tanto tempo. Espero que seja um passo adiante para acabar com a opressão a esse povo”, finalizou Sampaoli.

NA ESPANHA Depois de conquistar a Copa América, o treinador protagonizou uma saída conturbada da Seleção Chilena para trabalhar no Sevilla, da Espanha. Assim que chegou à capital andaluz, foi levado pelo presidente do clube, José Castro, para conhecer a suntuosa Catedral de Santa Maria.

Durante a visita ao local, o dirigente mostrou uma placa a Sampaoli e disse: “Ali estão os restos mortais do descobridor de seu continente, Cristóvão Colombo”. O argentino, então, rebateu o espanhol: “Desculpe, mas vocês acham que descobriram. O continente já existia. Vocês chamam um genocídio de descobrimento”.

NO BRASIL
Desde que chegou ao Brasil no início de 2019, Sampaoli pouco falou publicamente sobre política. Aos amigos, já reforçou inclinação à esquerda e as discordâncias em relação a Jair Bolsonaro (sem partido). Em novembro passado, o argentino negou que tivesse pedido que o Santos vetasse a presença do presidente em um jogo na Vila Belmiro.

“Isso é democracia. O presidente tem direito de ir aonde quiser, não sei o que pensam de achar que posso impedir a presença de alguém, seria uma falta de respeito. Sobre pensamentos políticos, eu prezo por defender a democracia. Eu vivi a ditadura no meu país, nunca seria alguém que não defende isso (democracia), e isso é defender que qualquer um pode ir aonde quiser. Veja o que acontece na Bolívia, que a democracia está debilitada”, disse, em menção ao conturbado cenário político boliviano em meio à renúncia do ex-presidente Evo Morales.

Por aqui, Sampaoli preferiu colocar em prática o posicionamento político em ações do dia a dia. Antes de iniciar o trabalho diário no CT Rei Pelé, encontrava-se com garotos que escalavam árvores para acompanhar os treinos do Santos. O argentino chegou a presenteá-los com chuteiras e ovos de páscoa, além de liberar a presença das crianças nas atividades do time, o que era proibido a jornalistas. Certo dia, o treinador levou os garotos à sua casa para conhecer o filho recém-nascido.

Internamente, o convívio de Sampaoli com funcionários do Santos não era dos melhores. Porém, o treinador protagonizou uma outra história que chamou atenção. Em março, optou por devolver integralmente o salário ao clube até que todos os jogadores tivessem os vencimentos pagos em dia.

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