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Artista mineiro expõe no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de SP

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Exposição com trabalhos recentes do mineiro Lucas Bambozzi está em cartaz desde o último sábado (1/7), no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Em “Solastalgia”, individual do artista visual e pesquisador em novas mídias, quatro videoinstalações propõem uma reflexão sobre o impacto social e ambiental das atividades mineradoras no Brasil. A curadoria é de Fernanda Pitta.





“Solastalgia” (2023), uma instalação que nasce do processo de realização do longa-metragem “Lavra” (2022, 91 minutos), abre a exposição. A instalação evidencia as tragédias causadas pela mineração de ferro no entorno de Belo Horizonte.  

“Extra, extra” (2023), “Paisagens rasgadas” (2021) e “Luzes” (2023) também integram a mostra.

O artista visual mineiro radicado em São Paulo Lucas Bambozzi (foto: Divulgação)


As mudanças ambientais estão cada vez mais presentes. Você acredita que os cidadãos do mundo inteiro estão realmente preocupados com isso?

Acho que existe muito desconhecimento de informações cruciais sobre as mudanças ambientais. Mas existe também muita desinformação em curso. E essa desinformação é, em parte, pela ignorância (no sentido de desconhecimento mesmo), mas também existe a desinformação ideológica, implantada como manutenção das políticas extrativistas que sustentam o capital.

Como pergunta Mark Fisher: “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?” Parece que sim. Então, para a maioria da população e dos “dirigentes” do planeta, essa desinformação é uma forma de manutenção das políticas vigentes que impactam o planeta.



A exposição busca discutir, em parte, a produção de imagens gerada pelas catástrofes, algumas consideradas naturais, e outras nitidamente causadas pelas ação do extrativismo.

Em que momento surgiu a inspiração para esse projeto?

Meu interesse pelo termo solastalgia, um neologismo, que circula há menos de 20 anos (cunhado pelo filósofo Glenn Albrecht), veio a partir das pesquisas para a realização do filme “Lavra”, longa-metragem lançado em 2022; uma produção mineira, iniciada em conjunto com a escritora e roteirista Christiane Tassis.

Discutimos bastante o termo “topophilia” durante o processo de roteirização, também uma palavra nova, que define as instabilidades geradas nas pessoas a partir das ações derivadas de grande impacto ambiental.

O conceito de solastalgia, um “desarranjo” gerado pela mudança na paisagem, ficou ecoando na minha cabeça desde então, e fui desenvolvendo outras ideias e trabalhos em torno do termo. São desdobramentos que acontecem de maneira espontânea e vão se tornando experiências que podem ser compartilhadas, como é o caso agora dessa exposição.





Como era a sua visão desse tema antes desse projeto e como ela está agora com a exposição?

Acredito que para a grande maioria das pessoas, a preocupação com o ambiente é algo novo. No meu caso, veio a partir da intersecção com os estudos do espaço e do lugar - algo entre geografia, arquitetura e comunicação.

Seja como artista visual que eventualmente faz instalações, seja como pesquisador junto à FAU-USP, onde desenvolvi, entre 2015 e 2019, trabalhos relacionados ao entendimento do nosso entorno e das materialidades e imaterialidades envolvidas nesse entendimento.

Ou seja, na condição de alguém que cresceu em Minas Gerais e se viu rodeado de montanhas. E essas montanhas já não são mais o que eram, estão sendo devoradas pela mineração, especialmente de ferro, que é uma mineração em mega escala.



Creio que uma frase como “Olhe Bem As Montanhas” (frase/obra do artista Manfredo Souzaneto, criada em 1974, e que circulou muito em Belo Horizonte nos anos 1980), tem hoje um impacto muito maior do que na época em que foi criada, pois é mais evidente o que acontece nas montanhas hoje. Pois podemos vê-las de cima, por drones, mapas aéreos e imagens de satélite.

Como artista multimídia e pesquisador em novos meios, como você vê a evolução da tecnologia? Até que ponto, por exemplo, a inteligência artificial vai contribuir com a arte?

Os sistemas de inteligência artificial já vêm sendo usados há algum tempo (em aplicativos, em sistemas de busca, em nosso rastro on-line) e nem sempre nos demos conta sobre as decisões que fazem por nós. Mas, sim, parece que chegamos a um momento em que temos que nos relacionar mais diretamente com eles.

Então me parece óbvio; é importante termos maior conhecimento (e menos desinformação) sobre a forma como funcionam e como passam a definir tendências e padrões. E daí pensar formas criativas para produzir algo com isso. Da mesma forma como às vezes não utilizamos as palavras corretas para encontrar algo mais específico no Google, não sabemos como obter resultados de sistemas como Dall-e, Midjourney ou Stable Diffusion.



Vejo-me revendo articulações semânticas e de gramática para lidar com um chatGPT, por exemplo. É importante saber fazer as perguntas certas, treinar o sistema, para escapar das platitudes e das mesmices – que afinal são a reprodução das platitudes e padrões espalhados no mundo digital.

Isso envolve alguma criatividade e algum envolvimento. A exposição “Solastalgia”, por exemplo, tem um trabalho chamado “PROMPT” que discute a relação entre texto e imagem. É uma projeção de vídeo que contém descrições semânticas (e subjetivas) das imagens, um prompt de IA reverso, um roteiro às avessas, uma forma de redefinir o que constitui uma imagem ou sequência em um filme.

Você já trabalhou com a banda mineira Virna Lisi, com Gilberto Gil, dirigiu o musical “Mug show”, produzido pela TV Minas. Como a música e o rock influenciaram sua carreira? Tem saudades de trabalhar com a música?

Na sua lista de um passado mais ligado à música, faltou mencionar o grupo FAQ (2002-2012, grupo mineiro, derivado do Feitoamãos), que foi uma experiência audiovisual que pretendia alternar os papéis entre produção de imagem e produção de sons.



Mas é verdade que sempre me vi como uma espécie de músico frustrado, como alguém que buscou fazer com as imagens o que não sabia fazer com um instrumento musical. Talvez por isso nunca tenha me isentado de colocar as próprias mãos nas trilhas sonoras dos trabalhos que fiz.

Esse fazer “imagem-música” me faz falta, sempre. E vez por outras me lanço em performances audiovisuais em que retomo isso. Como exemplo, as últimas foram “Eu não vou juntar tudo isso” (2016) e “Interstício/Fantascopia” (2020).

Além disso, o envolvimento com a cena audiovisual é uma constante.
Fiz por vários anos a curadoria do festival ON_OFF Live Images, do Itaú Cultural, e coordeno os projetos de cinema expandido do AVXLab.org junto com o Demétrio Portugal.





Na luta em defesa do meio ambiente quem tem mais poder - o audiovisual, as artes plásticas, as instalações…
Quando tivemos a ideia de fazer o "Lavra", em um formato pensado para o cinema, e sua rede de exibições, a ideia era fazer algo que pudesse ser uma ação política de valor simbólico e criativo, e que pudesse chegar a milhares de pessoas.

É um circuito mais amplo, mais aberto, democrático e capilarizado do que o alcance que uma instalação no campo das artes plásticas normalmente tem. Isso me moveu bastante, envolvido na responsabilidade de dizer algo para
um público maior e mais diversificado do que a arte contemporânea.

Nesse sentido, sem dúvida, o campo da música pop tem um poder imenso em termos de alcance. Mas tudo depende de como cada “coisa” é embalada e colocada em circulação. Envolve linguagem, mas também verbas.

O "Lavra" foi um filme feito com baixíssimo orçamento, mas mesmo assim, chegou, tem chegado e vai continuar chegando a um público imenso, o que nos enche os olhos e a vontade de amplificar a voz das pessoas retratadas.