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Assistido por plateia nonsense, professor revela descobertas na pandemia

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Maurício Guilherme Silva Jr.
Professor universitário, jornalista, músico e um dos criadores do podcast “Música serve pra isso”

Lá está Darth Vader a me encarar com seu “semblante” de poucos amigos. Também me fita um ursinho ressabiado, assim como o simpático verdejar de um cacto, ao lado do “corpinho de lombada” de muitos de meus heróis e heroínas: Cabral, Drummond, Machado, Clarice, Tchekhov, Tolstói.



Desde que a pandemia nos obrigou ao recolhimento, tais têm sido alguns dos seres animados (ou não) que, numa espécie de plateia nonsense, aparecem diante desta retina, junto aos seus proprietários de fato e afeto – com quem, em “zilhares” de reuniões virtuais, divido angústias, permuto ideias, agendo compromissos, amaldiçoo irresponsabilidades e omissões (oficialescas).

Em tempos de abraços mirrados e “olhos sobre telas”, confesso ter aprendido a degustar a beleza e os mistérios da intimidade alheia, expressos, por vezes, em memorabilias capazes de sintetizar, sob ângulos diversos, o que somos, fomos e, claro, haveremos de nos tornar.

 A cada papo on-line, múltiplas de nossas vertentes – e sonhos e princípios e quereres – transfiguram-se, para além da exaustão psíquica, social e política dos rostos enquadrados pelas minicâmeras, na caleidoscópica dança de quadros, livros, fotos, plantas, toys, cores e estampas (sim, caríssimos leitores e leitoras: tenha certeza de que sua persiana à la “Star wars” diz muito sobre seus lados da força!).



Colecionista desde sempre, aprendi não apenas a organizar a vida em pequenos feudos de afeto e arte – territórios onde livros, CDs, vinis e miniaturas fazem a festa –, como também, ou principalmente, a perceber e apreciar a potência da diversidade, a poética das identidades, a vastidão da alteridade. Pois tudo aquilo de que nos cercamos acaba por compor parte significativa de nossos próprios modos de “dizer o mundo”. No meu caso, que o digam a plaquinha de Marielle Franco, o pequeno Tom Jobim de gesso, as caveirinhas mexicanas ou as tão amadas lombadinhas de arte e ciências humanas, objetos que, atrás de mim, antecipam – às retinas de amigos, colegas e alunos – fragmentos, amores, expectativas, incongruências e preceitos de um ser entre bilhões.

Em tempos de abraços inconformados e olhos para muito além das telas – posto que, agora, dedicados ao necessário horizonte da indignação –, aprendi que estar junto, mesmo a algorítmicos zooms de distância, é, também, decifrar olhares, intuir afoitezas, acolher poéticas, dar palco aos gestos. Acercar-se de amor, em tempos de abraços aflitos e pupilas calejadas de realidade, é, também, açambarcar delírios, alumiar-se de humanidades, distribuir luas imprevistas.

Em tempos de abraços remotos e olhos incrédulos, aprendi que a singeleza de mãos entrelaçadas é, ainda, a possibilidade de transformar canteiros em floresta nativa, de conceder, à lágrima, esplendores de oceano, de restabelecer asas à liberdade contida. Alinhar-se ao Zeitgeist, o “espírito do tempo”, é apiedar-se de lábios contritos e sobrancelhas arqueadas, acolher dores invisíveis, arregimentar exércitos de delicadezas perdidas no front do sentimento vago.

Em tempos de abraços possíveis e olhos nos olhos, sonhar é, também, celebrar a doce minúcia de – simples, única, magnífica e imensamente – existir.