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Estado de Minas COLUNA HIT

E lá fui eu, de porta em porta, nesta estranha BH

No 'Diário da quarentena', o colunista Helvécio Carlos revela seu reencontro com os amigos e a cidade, depois de 160 dias de 'exílio home office'


01/09/2020 04:00

Diário da quarentena

Gustavo, 
Mariana e Rita

Helvécio Carlos
Jornalista

Se fosse há décadas, a emoção daquele dia  seria a mesma da primeira vez na Disney ou do primeiro banho de mar. Mas a viagem em questão era a primeira depois de exatos 160 dias de “exílio home office” na casa de minha mãe, em Sete Lagoas. Nesse período em isolamento, saí apenas para supermercado, padaria e banco, onde a presença física é indispensável. Somadas, essas saídas representam menos de 3% no período. Média boa, pois segui protocolos para evitar a proliferação do coronavírus, mas ao mesmo tempo impensável, pois a minha agenda sempre foi agitada.

O coração pedia para rever os amigos. Todos os encontros foram surpresa. Nenhum dos três sabia da minha passagem por BH. E lá fui eu, de porta em porta e seguindo o protocolo sanitário, dar um oi à turma que há tanto tempo não via. Encontros estranhos. Em outras épocas, estaria lá dentro, no escritório de G., roubando o picolé sempre disponível, filando café na cozinha ou rindo à beça com firulas na sala de F. A estranheza aumenta ao driblar o som abafado pela máscara, que, muitas vezes, nos fez emitir o terrível hein?????

Os encontros com M. sempre foram cheios de carinho, com abraço apertado e beijos. Na porta do prédio onde ela mora, nos vimos pela primeira vez em 160 dias (não usamos chamada de vídeo para matar a saudade). Trocamos algumas palavras, rimos, nos divertimos como em todos os nossos encontros, por mais breves que sejam. E segui no meu périplo.

Com R. foi muito estranho. Expansiva, com o sorriso largo de sempre, ela me recebeu na porta do prédio. Somos amigos de muitos anos, por isso o momento foi de grande alegria. Rimos  diante de todas as minhas reclamações por tanto estranhamento.

“Você ficou enclausurado”, ponderou R. E alertou: apesar de necessário, o isolamento pode gerar efeitos negativos, provocando o   distanciamento da realidade. Ela tem razão. Tive sorte de encontrar R., que saía com o filho, D., para uma consulta de urgência e cheia de protocolos no ortodontista.

O menino de 11 anos, percebendo a minha indignação com nossas fisionomias escondidas pelas máscaras, chamou a atenção para a  necessidade de transformarmos o nosso olhar para reconhecer o outro. “Para o desenhista, o olhar é capaz de transmitir a emoção daquele momento”. D. tem razão. Mais do que nunca, os olhos falam.

Segui na tentativa de reconhecer Belo  Horizonte e sua realidade pandêmica. Sempre brinquei que a Praça da Liberdade é o meu  quintal. Uma beleza, a qualquer hora do dia ou da noite. A poucos metros do apartamento.

Fim de tarde de sexta-feira, céu azul, clima agradável – e a praça lá, resistindo. Mesmo sem casais, namorados, crianças, ambulantes,   cachorros. Ainda assim, a Liberdade continua  linda. A., marido de M., concordou, mas disse que tive sorte de não ver o espaço cercado por grades por tantos meses. A. citou o comércio, que voltou a reabrir as portas. “Sem movimento, os dias de semana pareciam ter a eterna cara de domingo.”

No passeio a pé, que adoro fazer, encontrei uma cena que me relaxou, em meio a tantas perguntas sem respostas. Um homem transformou em varal as grades dos fundos da Biblioteca Pública Estadual, na Rua da Bahia. Até aí, OK. Pensei que fosse um morador de rua. Mas veio a surpresa. Um senhor, ao celular e em voz alta, explicava ao interlocutor: “A centrífuga quebrou. Vou ficar aqui uns minutos até a roupa secar”. Eu,  discretamente, contei o número de calças (10) e camisas (8) estendidas ao sol do fim de tarde.

Se G., M. e R. estivessem ali comigo, estaríamos rindo muito. Cada um daquele seu jeito que me traz alegria e faz a vida seguir com leveza.

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