Lucas Pretti
cantor
Nos primeiros dias, senti raiva.
Sou um menino de 18 anos que teve a juventude interrompida de um dia para o outro sem aviso prévio. Isso não poderia acontecer aos 50 anos, quando já tivesse vivido bastante e quisesse ficar em casa pra relaxar? Estava revoltado com o vírus por atrapalhar a minha vida, era só nisso que pensava.
Acho que os três primeiros dias de quarentena foram os mais egocêntricos da minha vida – talvez por isso, logo chegou a grande e famosa culpa pra me preencher.
Aqui estava eu, reclamando de uma pandemia que não tirou meu emprego e (graças a Deus) não levou ninguém da minha vida. Talvez tenha ouvido muitos anúncios de aeromoça falando para colocar a máscara em mim antes de ajudar o outro, na hora do desespero deixei a empatia guardada no bagageiro.
Depois da culpa veio o remorso.
Remorso por não ter aproveitado meus dias na escola, não ter abraçado minha avó enquanto eu podia, não ter aproveitado cada segundo da minha vida descomplicada no mundo
pré-COVID-19.
Quando vi, um mês já havia se passado e eu havia criado uma nova rotina de quarentena, que me deu o conforto e a segurança de que precisava para seguir em frente. Ocupava-me diariamente com as atividades que fazia antes, adaptando-as para o isolamento social.
A verdade é que ficar à toa me apavorava. Tinha certeza de que assim que passasse mais de dois dias sem “fazer nada”, ia surtar. Então, comecei a me ocupar com coisas que não fazia há anos.
Cozinhei pão, carne, macarrão, bolos, biscoitos...
Fui no armário de jogos que tinha quando era criança, levei todos eles à sala para jogar com meus pais. Passávamos horas brincando de Detetive, Jogo da Vida e até montando
quebra-cabeças.
Assisti a 17 dos 32 filmes da minha lista. Dei uma chance a todas as séries que meus amigos indicaram e descartei.
Também aproveitei para trabalhar. Terminei de escrever todas as faixas do meu EP, que sai este ano, e ainda me propus a aprender a mexer no Logic, aquele programa de mixagem de música. Na verdade, não tinha muito o que fazer a não ser seguir em frente.
Como seres humanos, nós precisamos uns dos outros – do carinho, do afeto, da atenção –, mas também precisamos ser inteiros e autossuficientes. A maior descoberta que fiz durante estes meses foi dentro de mim: o meu caráter, as minhas prioridades, os meus princípios.
Aprendi a fazer o pão de queijo do Leo Paixão? Sim.
Mas também aprendi a me manter em minha própria companhia, a não ficar sozinho quando estou só. Percebi que ter amigos é a segunda melhor coisa do mundo… A primeira é ser amigo de si próprio.