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Estado de Minas Diário da quarentena

Na pandemia, Esopo e Samuel Beckett inspiram Raul Starling

Médico e ator lembra dos amigos do teatro em dificuldade e dos atropelos que o vírus causou em seus projetos


postado em 17/07/2020 04:00


Raul Starling de Barros
médico e ator

Pediram-me que escrevesse alguma coisa sobre a influência do famoso vírus na minha vida, como ator. Ao me perceberem indeciso, animaram-me dizendo: nada de complicado; diga apenas como atrapalhou sua atividade artística. Tá legal. Mas não consigo pensar nisso sem lembrar do Esopo. Todo mundo sabe quem é esse cara? Esopo nasceu em 620 A.C. É que pra falar sobre o corona é necessário também falar sobre minha vida, que já é bem comprida.

Em 8 de dezembro de 2019, comemorei 50 anos de diplomado médico, pela UFMG. Todo esse tempo na especialidade de neurocirurgia, que é um ramo cirúrgico com grande mortalidade e sequelas. E, nos últimos 26 anos, também fazendo teatro, ininterruptamente.

O teatro me enfeitiçou, mas não foi fácil conviver com as duas funções. Muitas vezes estive no palco, fazendo uma comédia, e preocupado com o resultado de uma cirurgia cerebral realizada horas antes. Pelo menos em duas ocasiões, já com a plateia no teatro, tive que suspender o espetáculo por ter sido chamado ao hospital para reavaliar um paciente.

Mas eu tinha esperança de que um dia iria me aposentar como médico, e poderia me dedicar completamente ao teatro. E há cerca de 10 meses, o dia chegou. E é aí, turma, que entra o tal Esopo. No final do ano passado, fiz O palco iluminado, com Rogério Falabella.

E agora poderia me dedicar ao Grupo de Pacientes Psiquiátricos do Centro de Convivência de Contagem, com meu Teatro Terapêutico. E poderia estimular o embrionário teatro do Ataíde Ócios e Ofícios. E, mais que tudo, eu era agora um dos professores do recém-fundado Curso de Teatro Feluma. Poderia ensinar o que aprendi de teatro para outros profissionais da saúde e como isso me ajudou a tornar um médico melhor e mais humano.

Mas, após a primeira-única-aula presencial, o corona mandou para o espaço os alunos do Feluma, o Teatro do Ataíde e o Teatro Terapêutico do Centro de Convivência de Contagem.

“A gente quer ter voz ativa. No nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva.

E carrega o destino pra lá.”

Ah! Sim! O Esopo! Quase me esqueço.

Na fábula A cigarra e a formiga, a formiga trabalha na esperança de que no inverno pudesse desfrutar de seu esforço. Sei que alguns colegas do teatro em BH passam por grandes dificuldades financeiras, em consequência do isolamento social. Sem fazer juízo de valor, também sinto a perda dos sonhos por tantos anos acalentados.

O tal do Esopo está com nada. Nos dias de hoje, o corona acabaria com a formiga, a cigarra e outros insetos menos votados.

Vai passar?

Como os vagabundos, personagens de Esperando Godot, sou um homem incapaz de crer, mas também incapaz de perder a esperança.





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