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Estado de Minas Diário da quarentena

Dançar coladinho não é mais como antigamente. A dança de salão se reinventa

No Diário da quarentena, Jomar Mesquita conta que a ideia de dança visual causa estranhamento, mas é uma opção para tempos de isolamento social


postado em 11/07/2020 04:00

Jomar Mesquita
coreógrafo



2020, ano de muitas comemorações pelos 30 anos da Mimulus Escola de Dança… Oficinas, cursos especiais, bailes, festas, homenagens, novos projetos…2020, após longo período de crise, ano de retomada para a Mimulus Cia de Dança: turnê pela Europa, festivais importantes em Brasília, São Paulo, temporada no Teatro Alfa, estreia de novos formatos de criações…2020, ano que precede os meus 50 anos de vida, já quero comemorar, viagem planejada, celebrar os 2 anos do Bem, os 8 anos da Nina, os 77 anos da D. Baby Mesquita! Adiei minha cirurgia de hérnia, pois, com tantos planos e atividades, que cirurgia que nada… Vamos aproveitar a vida e deixo para depois mais uma das muitas cirurgias que não fiz (e de repente nem precisa) 2020!, cirurgia de hérnia, aproveitando que não temos espetáculos, nem viagens, nem bailes ou oficinas. As comemorações acontecem, porque nenhum vírus vai nos fazer deixar de celebrar, ainda que seja junto com menos pessoas do que gostaríamos. Ainda que seja sem viajar. Assim sendo, o melhor mesmo é aproveitar para fazer a cirurgia de hérnia.

Mesmo sem nada do que tinha planejado, agora isolado, confinado, nunca conversei com tantas pessoas, de quem tinha saudades, com quem não me encontrava há anos, com quem nunca tinha parado para conversar durante uma hora seguida: lives. Dezenas e dezenas de lives, bate-papos gostosos, frutíferos, fraternos, emocionantes, marcantes… Que se tornam registros de histórias de vida, de 30 anos do trabalho da minha família.

As homenagens programadas antes acabaram tomando um volume ainda maior com tanta gente linda sendo entrevistada e todo esse material ficando disponível para o mundo através da rede. São as coisas boas que um vírus nos traz!

Todas as noites, as crianças conversam com a avó, com quem não deixamos de nos “encontrar”, ainda que seja para conversar de longe, sem tocar; nós, da garagem; e ela, da janela. Ou no corredor do hall de entrada, que agora é decorado com fotos e desenhos… E sempre com um lanchinho preparado com muito amor, mas com a devida distância. São as coisas boas que um vírus nos traz. A escola de dança se reinventa, já que o projeto de cursos on-line que vinha sendo adiado há anos pela falta de tempo agora tem que acontecer… E em muito pouco tempo. Danças de salão em aulas on-line, virtuais? Alguns alunos estranharam… “Quero dançar para estar abraçado, para conviver com as pessoas.” Não deixam de ter razão. Mas outros adoraram a ideia, inclusive alunos de outras cidades e mesmo da Europa. “Agora eu vou conseguir fazer aulas na Mimulus.” São as coisas boas que um vírus nos traz. Adoraram poder continuar se movimentando, mesmo da sala de casa, mas com a vantagem de poder ser junto com os outros da família, sem ter que pegar trânsito, estacionar carro. Sem ter o professor perto, podem até desligar a câmera no Zoom e dançar de pijamas, errando à vontade e sem nenhuma vergonha. São as coisas boas que um vírus nos traz.  E quem disse que dança é só movimento? É também história, música, criatividade, cultura, arte, leveza! Muitas formas de ensinar dança que não somente pelo movimento. Editais, fomento, leis de incentivo, editais, projetos, como ajudar o artista, editais, prêmios, editais, documentos, editais, projetos… Mas como dançar a nossa dança, que é feita a dois, abraçados, se estamos isolados, confinados? Como dançar com a minha parceira se, em 27 anos trabalhando juntos, nunca ficamos tanto tempo separados um do outro? Editais, editais, editais… E sempre com a mesma exigência: “O trabalho deve ser gravado com o proponente sozinho; ou, se tiver mais de um artista no vídeo, que estejam guardando a devida distância um do outro”. Esse é o momento de digitar aquele emoji de olhos arregalados… Aquele que pinga suor ou o que chora mesmo. No mais, é o que todos já sabem: lavar louça, trocar fraldas, fazer faxina, responder WhatsApp, fazer funcionar o Zoom para a aula virtual do colégio da filha, brincar, lavar louça, improvisar iluminação para a live, responder WhatsApp, descer para receber a entrega, preparar o espaço para a aula virtual de hoje, trocar fralda, lidar com os ânimos (e desânimos), se reinventar de novo, descer para receber a entrega, dar banho, lembrar que ainda não tomei banho hoje, brincar, dar atenção para a esposa, responder WhatsApp, recolher as roupas, lavar o chão, tentar manter a forma de bailarino, limpar o banheiro, brincar, responder WhatsApp, desinfetar as compras, comer, lavar roupas, beber, descer para receber a entrega, responder WhatsApp, colocar as crianças para dormir… E descobrir como vou pagar as contas do próximo mês… E como conseguir manter em funcionamento um galpão que reuniu muita história durante 30 anos. Trabalhar, trabalhar, trabalhar… O que muitas vezes só consigo fazer depois que todo mundo foi dormir, menos eu. O DVD que tinha alugado em 10 de março (isso mesmo: DVD!). 

Ainda assisto a essas coisas que o Randolfo nos aluga. Está na cabeceira da minha cama e até hoje eu assisti só os primeiros 20 minutos do filme.

Da hérnia, já estou praticamente recuperado.

Do vírus, talvez eu nunca me recupere, mesmo não tendo me contaminado.

Da hérnia, já estou muito melhor. 

O vírus… Será que vai nos deixar melhores?

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