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Academia Mineira de Letras comemora 110 anos de olho no futuro

Comissão de Musealização da Academia pretende, entre outras coisas, abrir o Palacete Borges da Costa para visitas guiadas. Em breve, a coleção completa de sua revista, que é de 1922, estará digitalizada

Helvécio Carlos
- Foto: Beto Magalhães
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A Academia Mineira de Letras (AML) está em festa pela comemoração dos seus 110 anos. Sessão solene, recital de poesia da obra de acadêmicos com o grupo Palavra Viva, missa solene celebrada por dom Walmor Oliveira de Azevedo, que também é acadêmico, marcaram a programação de comemorações. Haverá ainda sessões solenes, em 13 de dezembro, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e em 17 de dezembro, na Câmara Municipal de Juiz de Fora, onde ocorreu a primeira reunião da academia, no começo  do século20.

Centenária, a instituição está conectada através de site na internet, páginas no Facebook e Instagram, canal no YouTube. “A relação entre o público e a academia está cada vez melhor. Tudo o que for preciso para ampliar o acesso das pessoas à nossa programação cultural será feito. A academia só faz sentido se fizer sentido para a comunidade em que ela está inserida”, afirma Rogério Tavares, presidente da AML. 

Segundo ele, não há nada melhor que o uso inteligente e sensato da tecnologia. “Ela faz a informação e o conhecimento circularem mais amplamente, por todo o planeta. As novas gerações têm aprendido a gostar de ler nos meios digitais.
Admiro e respeito todos os sites e os blogs que divulgam a literatura. Eles prestam um grande serviço à sociedade”, diz Tavares.

Entre os presidentes da casa, Rogério Tavares destaca José Oswaldo de Araújo, Heli Menegale (“que conquistou a primeira sede própria para a academia”), e Vivaldi Moreira (“um gigante, que dedicou sua vida a essa instituição, para ela obtendo a doação do palacete e a construção do auditório”). “Sempre renderei homenagens, também justas e merecidas, a Orlando Vaz Filho, Elizabeth Rennó e ao querido Olavo Romano, que abriu o coração da academia ao povo de Minas”.


COM A PALAVRA...

Rogério tavares
Presidente da AML

Qual a importância da Academia Mineira de Letras para a história de Minas e da capital?
A Academia Mineira de Letras foi fundada em 1909, em Juiz de Fora, por um grupo de intelectuais entusiasmados pela literatura e pela língua portuguesa. Em 1915, ela veio para Belo Horizonte, conquistando sua primeira sede própria em 1943. Em suas 11 décadas, não houve outra instituição no estado capaz de reunir capital simbólico e social tão alto. Por ela passaram nomes com Alphonsus de Guimaraens, Abgar Renault, Ayres da Matta Machado, Bartolomeu Campos de Queiroz, Cyro dos Anjos, Henriqueta e Alaíde Lisboa, além de estadistas como JK, Afonso Arinos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Tancredo Neves e Oscar Dias Correa. Em 110 anos, ela preservou e divulgou a memória e a história de Minas como poucas entidades culturais puderam fazer. Sua longevidade e o vigor de que desfruta atualmente comprovam sua relevância e sua habilidade em acompanhar a evolução do tempo.

Quais são os grandes desafios enfrentados pela AML?
Há o desafio da manutenção financeira, que não é fácil. Hoje, graças a empresas sensíveis e atentas ao campo da cultura, temos como sobreviver com alguma dignidade, por meio dos patrocínios captados via leis de incentivo. A Associação dos Amigos da Academia, presidida com brilho por José Anchieta da Silva, também é fundamental para que possamos seguir em frente. Nos últimos meses, com o incremento da nossa programação, o interesse do mundo corporativo em associar a sua marca à da Academia tem crescido, o que nos dá muita alegria. Todos respeitam e admiram a credibilidade e a reputação da instituição. Outro desafio é o da preservação da nossa sede, que é preciosa.
O Palacete Borges da Costa e o Auditório Vivaldi Moreira exigem cuidados permanentes, profissionais, que não suportam a negligência ou o amadorismo.

Pouca gente sabe que a academia tem um acervo de 35 mil livros. O que há de importante e quais as curiosidades desse acervo? O público pode consultar os livros?
A academia guarda 10 coleções valiosas de livros, documentos, manuscritos, obras raras... Temos o acervo integral de Eduardo Frieiro, Nelson de Senna, Vivaldi e Edison Moreira. Também é da AML uma extensa série de crônicas datilografadas e anotadas à mão por Carlos Drummond de Andrade, uma doação recebida de Furnas, durante a presidência de Itamar Franco. O que existe sobre Juscelino Kubitschek aqui não existe em nenhum outro lugar. Esse acervo, agora, está sendo totalmente inventariado e catalogado. Ele já pode ser consultado pelos pesquisadores, mas é preciso marcar a visita antes. Nossa meta é abri-lo ao público integralmente até o final de 2020.

Como está o processo de musealização e o que isso vai representar efetivamente para a academia?
No primeiro mês de minha gestão, constituí a Comissão de musealização da academia, de que fazem parte os acadêmicos Márcio Sampaio, Rui Mourão e Angelo Oswaldo de Araujo Santos. A ideia é tratar tudo o que está no Palacete Borges da Costa (móveis, louça, lustres, o piano – que mandei restaurar recentemente...) como ítem museológico, a ser devidamente inventariado para integrar o acervo da AML. Alguns espaços deverão ser redesenhados para guardarem maior fidelidade a esse projeto.
Nosso objetivo é abrir o palacete para visitas guiadas por monitores que saibam explicar o que é a instituição e o que foi a casa. Por meio dessas visitas será possível entender muito do jeito de morar e de viver que vigorou em Belo Horizontes nas primeiras décadas do século passado. Assim, a academia estreitará ainda mais seus laços com a cidade e com quem ama a cultura.

O Palacete Borges da Costa, sede da academia, é uma das mais belas construções de Belo Horizonte. Conte um pouco sobre a sede, como é a rotina de quem trabalha no prédio. São quantos cômodos, como é manter a casa e como é ter um escritório em um prédio tão bonito?
O palacete começou a ser construído em 1910 e ficou pronto em 1923. Nele, o médico Borges da Costa mantinha a sua residência, o seu consultório e até um ambulatório, que funcionava no subsolo. Por sorte, mais de 90% do imóvel estão em ótimo estado de preservação. Com mais de 50 cômodos, o palacete tem três andares, seis quartos, um lindo salão de chá e duas varandas impressionantes, uma na frente e outra nos fundos. Nossa equipe tem o privilégio de trabalhar nesse ambiente charmoso e sofisticado, que remete a uma Belo Horizonte que não existe mais, infelizmente. Há funcionários que chegam à academia muito cedo, para cuidar dos livros, e outros que saem bastante tarde, já que nossos eventos às vezes terminam depois das 11 da noite. Para mim, é um privilégio pertencer a esse grupo. Quando entro no palacete, ocorre algo mágico: é como se estivesse em outro tempo, em outra dimensão. Talvez no tempo da delicadeza, da cortesia, da elegância, da civilidade, artigos tão em falta nos dias de hoje.
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