Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

Silêncio sobre o Mineirão



Dias antes da inauguração do Mineirão, o presidente do Cruzeiro, Felício Brandi, fez uma de suas rotineiras visitas às obras. Conhecia os operários pelo nome; os cumprimentava como quem dividisse o relógio de ponto. A intimidade era imensa, mas ninguém previa o que passava em sua mente.



No 5 de setembro de 1965, uma cidade inteira rumou para a abertura do Mineirão.

Surpresa geral. À direita das cabines, uma enorme bandeira estava estendida atrás do gol. Duas pontas amarradas na beirada do fosso e as outras na cobertura das arquibancadas. Nela, pintada à mão, uma raposa com short branco e camisa azul e cinco estrelas. Nos pés com chuteiras, uma bola dentro do gramado. Ao lado, os dizeres: “Ôôôba estou aqui minha gente.” Desde então, aquele lado da nova casa do futebol mineiro passou a ser da torcida cruzeirense.

Desde 1965 é o Cruzeiro quem dá ao Mineirão as maiores oportunidades de se justificar como Gigante da Pampulha. O primeiro jogo e conquista de Libertadores (1967 e 1997, respectivamente), o único Mundial de Clubes (1976), a primeiraconquista nacional por mineiros (Copa do Brasil 1993). Em 1997, a Nação Azul cravou o eterno recorde de público do estádio.

Veio 2009. O Mineirão foi um dos estádios engolidos pela sanha da Copa do Mundo de 2014. Por todo o país, contratos de reformas e construções de estádios assinados sem uma mínima análise crítica ou mecanismos de controle com a premissa de defender os cofres públicos.



Infelizmente, como é tradição no Brasil, novamente, uma suposta “grande oportunidade” de retorno para o povo se transformou em lucro para políticos, conglomerados financeiros e empresas privadas. Muito se fala dos absurdos elefantes brancos de Cuiabá (MT), de São Lourenço da Mata (PE), de Natal (RN) e Manaus (AM). Ou dos privilégios da arena do Corinthians. Mas pouco se coloca o dedo na ferida mineira, que desde 2014 sangra os cofres do Estado de Minas Gerais.

O contrato de parceria público privada (PPP) criado pelos governos Aécio Neves e Antonio Anastasia, vendido como uma solução moderna, hoje, treze anos depois, se revela um câncer para o governo estadual em estágio terminal de sua saúde financeira.

Para os grandes clubes, um escárnio, onde ficam, no máximo, com 48% da bilheteria que proporcionam, como revelou o Superesportes. Sendo que ainda precisam pagar os cachês (salários) dos artistas (jogadores), emprestar à Minas Arena os seus públicos (torcidas) e assistirem calados a administradora do estádio ainda faturar à parte com ingressos, estacionamento, alimentos e publicidade.



Qual o controle o contribuinte mineiro tem sobre os contratos firmados com fornecedores (segurança, comunicação/mídia e manutenção) e outros eventos (shows e feiras)?

Hoje Cruzeiro e Atlético de Lourdes (e só o Cruzeiro, a partir de 2023) não só sustentam parte do lucro da Minas Arena, como também “doam” parte da renda que geram com seus espetáculos para amenizar a sangria do desembolso feito pelo governo estadual – mensalmente – à concessionária.

Com a chegada das eleições, se faz urgente questionar os principais candidatos a governador sobre seus posicionamentos em relação ao contrato com a Minas Arena.

Defendem? Por quê? São contrários? O que farão para modificá-lo?

Ao Cruzeiro, clube representante da maioria do povo contribuinte mineiro, cabe sim cobrar uma imediata revisão de tal contrato. Particularmente, não acredito na proposta da Arena Betim, tanto por vício de origem (vindo de uma figura que em 2019 propôs como solução para a nossa crise a insolvência do clube) quanto pela ineficiência da localização para atrair eventos para além do futebol.

Já o falastrão Alexandre Kalil e o passivo Romeu Zema, caso não se coloquem – antes de 2 de outubro – contrários ao atual modelo de gestão do Mineirão, estarão assumindo a responsabilidade de gerir tal rombo nas contas a partir de janeiro de 2023. Serão cúmplices de um contrato de “ganha-ganha” para empresários e de “perde-perde” para os cidadãos mineiros. E, se assim for, que Betim venha para, infelizmente, transformar o Mineirão em mais um elefante branco desse Brasil que não aprende com seus erros estruturais.