Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

O encontro marcado com Fábio, ídolo do Cruzeiro


Vamos nos reencontrar amanhã. Perto das 19 horas. No Maracanã. Já estivemos lá. Juntos. Algumas vezes. Iluminados pela mesma constelação de cinco estrelas. Mas não dessa vez. Da minha parte, não haverá nenhum sentimento ruim. Tampouco melancolia ou raiva. Sentirei desejo de um abraço. Confesso. Sem vergonha alguma.Foram 17 anos. Imagino – ou não – o quanto nossa presença possa lhe doer - ou não. A mim, enquanto o apito não cortar o ar da noite carioca abrindo a peleja entre o meu – nosso - Cruzeiro e o Fluminense, revê-lo bem, trará conforto. Assim como nos ver, agora, deixando o poço escuro, também esquentará o coração dele. Isso, desejo.



Vingança ou desprezo? Não espero dele. Terá medo de ser odiado? Sem motivo.

Nenhum cruzeirense de berço ou de paixão é capaz de nutrir tal sentimento abominável por nada. Quanto mais em relação à nossa relação de quase duas décadas de cumplicidade.

Ódio é um sentimento afeito às pessoas de alma pequena. Gente de caráter trêmulo, como boa parte da Turma do Sapatênis, quando o assunto é ele e seus feitos. “Mãos disso ou daquilo.” Ele incomoda, porque envergando o manto sagrado, foi maior que a existência inteira da instituição do bairro de Lourdes. “O que eles têm em sua história, ele tem só em Copas do Brasil.” Nesse quesito, três – conosco.

Há, entre nós, quem se apegue às falhas, à frieza dele e às dúvidas em relação à sua postura quando de nossa maior tragédia da história. Entendo. Respeito, com a experiência de quem também tem suas ranzinzes de torcedor corneta. Sim. Eu xingava o Alex em 2003, chamando-o de “come e dorme”, para alguns minutos depois, ele me calar (ou me fazer candidamente arrepender e amá-lo) com sua genialidade. Quem nunca?

Mas é justo esse apagamento? Coerente? Somos réus primários? Coloque cá a sua memória cruzeirense a serviço da reflexão.



Saímos em defesa de Dida, quando ele deixou o Cruzeiro, escorraçado pelo capricho pessoal de um dirigente? Gritamos contra Raul Plasmann por ele se negar a defender o time, em pelejas decisivas, enquanto a diretoria não renovava seu contrato nos valores que ele – ídolo e ícone – achava justo? E quanto a Geraldo II? O goleiro-pedreiro que ergueu nossa sede; foi o nosso muro debaixo das traves de Palestra a Cruzeiro e, mesmo aposentado aos 37 anos, atendeu o chamado para voltar a vestir o manto sagrado, em 1955, quando Chico e seu reserva Crusch não podiam jogar? Nós, palestrinos e cruzeirenses, fomos dignos em não termos homenageado Geraldo II – o arqueiro maioral – em vida?

“Em 2012, ele ouviu oferta do Atlético de Lourdes.” “Ele ganhava centenas de milhões em 2021.” Isso realmente importará quando o que nos restar na vida forem apenas as lembranças? Os títulos, os pênaltis, os imbatíveis 976 jogos defendendo o nosso pavilhão.

Estarei no Maracanã amanhã. No horário marcado. Não sei como meus companheiros de arquibancada irão reagir a esse reencontro. Nem mesmo ele próprio, tendo 90% do estádio gritando seu nome, quando, na vida quase inteira, éramos nós que assim o fazíamos. “Puta que pariu! É o maior goleiro do Brasil!”

Ele vai reconhecer que estamos nos erguendo sem ele? Vai descontar em nós o amargor do desprezo da atual diretoria? Sinceramente, não me importa. Não irei resumir nosso reencontro a essas miudezas.

Se tivesse a dádiva de escrever o final dessa história, apenas lhe daria um abraço. Ou pediria ao Rafael Cabral, seu primeiro e honrado substituto, que atravessasse o gramado. Fosse até a outra meta. Trouxesse Fábio até a beira do pedaço de Maracanã onde nós estaremos vestidos de azul e branco. Ali o deixasse para que pudesse nos olhar. Envergonhado? Frio como sempre? Triste? Indiferente? Que fosse...

Não iria julgá-lo. Não iria me desculpar. Mas também não permitiria o sangue quente da rivalidade acovardando meus sentimentos bons. Eu apenas diria: Olá, Fábio! Quanto tempo! A vida tem dessas coisas, não é? Hoje, vim com meu – seu – Cruzeiro. Só me resta lhe dizer, obrigado por tudo.