Jornal Estado de Minas

Uma camisa celeste pelos 80 anos de pura resistência

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O novo modelo do manto sagrado será lançado na próxima sexta-feira. A sete meses dos 80 anos de uma noite histórica: 7 de outubro de 1942, quando o Time do Povo Mineiro, nascido Società Sportiva Palestra Italia, se forjou Cruzeiro Esporte Clube.





O Palestra não passou a se chamar Cruzeiro sob festejos e aplausos. Ao contrário, vivia-se o caos no clube e no mundo, mergulhando na Segunda Guerra.

Em janeiro de 1942 o ditador Getúlio Vargas – admirador da Alemanha de Hitler – deu uma guinada e rompeu relações com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Isso após receber US$ 20 milhões dos Estados Unidos para a construção de uma siderúrgica em Volta Redonda.

Em agosto, submarinos alemães afundaram navios brasileiros. Vargas anuncia o Brasil na guerra. Entre as medidas adotadas, proibição do uso de qualquer símbolo (idioma, cores e bandeiras) que remetesse à Alemanha, Itália ou Japão. Acabou incentivando uma onda sanguinária de xenofobia contra imigrantes que viviam no país e não tinham absolutamente nenhuma ligação com a guerra. Lojas e casas foram queimadas e destruídas. Pessoas foram perseguidas e agredidas.





Em Belo Horizonte, o clube do Barro Preto, que já havia trocado seu nome de Palestra Italia para Palestra Mineiro, não escaparia à barbárie. O seu estadinho entrou na rota da destruição. Foi salvo de ser incendiado por um policial militar que, heroicamente, repeliu os vândalos, sob o olhar de pânico de imigrantes, como a saudosa palestrina Osetta Pieri.

Dentro do Palestra Mineiro, duas alas digladiavam em meio ao terror da guerra. Uma disposta a ir às raias do insustentável para defender a Itália. Aliás, parte dela abandonou o Palestra e se associou ao Atlético de Lourdes.

Uma solução para que o clube não fosse destruído foi buscada pelos que ficaram. Por decisão unilateral, em 2 de outubro de 1942, o então presidente Ennes Poni tentou alterar o nome para Ipiranga. A escolha monocrática jamais foi oficial. Não passou de uma notícia de folhetim e um esboço de ata imediatamente anulado. Mas cinco dias depois, houve uma reunião do conselho.





“Aos sete dias do mês de outubro de 1942, às 20h30, em nossa sede social, à Rua Rio de Janeiro, presentes dez conselheiros, foi pelo sr. presidente aberta a sessão.

Como a presente reunião foi convocada para a aprovação do nosso Estatuto, foi o mesmo aprovado, depois de muito desentendido, passando a Sociedade Esportiva Palestra Mineiro a denominar-se ‘Cruzeiro Esporte Clube’.

Em virtude da situação angustiosa de nosso club, foi nomeada uma junta governativa, composta dos senhores João Fantoni, Wilson Saliba e Mario Tornelli, sob a presidência do senhor João Fantoni, que dirigirá os destinos do club até que sejam aprovados pela Federação Mineira de Futebol os novos estatutos.”

A ata escrita pelo então secretário, João Fellipe Peixoto, e assinada por dez sócios, entre eles Fulvio Fantoni, pai dos ídolos Ninão e Niginho, resumiu, com palavras comedidas, uma noite das mais tumultuadas da história do Time do Povo Mineiro.





Coube ao então presidente João Fantoni (o Ninão) conduzir as mudanças que, na verdade, só se concretizaram totalmente em 1943. Era preciso ir além do nome ‘Cruzeiro’: o escudo, as cores e o uniforme, tricolores como a bandeira da Itália, também seriam alterados. Mas como se manter vivo sem se render ao ditador Getúlio Vargas? O Cruzeiro seria azul e branco.

Para as autoridades brasileiras, a história fantasiosa de que o azul era a cor do céu, “onde estavam as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul”. No fundo, ele representava a resistência, o amor incondicional de uma torcida pelo time criado por ela própria em 1921. O azul, em tom celeste, era exatamente o mesmo da camisa da Seleção Italiana. Essa era a verdade não dita. Por isso, o escudo tinha as cinco estrelas “presas” num círculo, e não soltas.

Sendo assim, o novo manto sagrado, que nos vestirá em 2022, celebrará não o céu do Cruzeiro do Sul, mas, sim, os 80 anos da Resistência Palestrina que nos forjou Cruzeiro.