Jornal Estado de Minas

DA ARQUIBANCADA

A Europa que combata a superliga ou ela decretará a morte do futebol

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Tornar-se um defensor da tal Superliga do “futebol europeu” (entre aspas, pois não considero aquele reality show como um esporte) só pode ter três justificativas: odiar futebol como competição esportiva; preferir assistir a uma peleja pela TV em vez da emoção do estádio; ou ser inescrupuloso no mesmo nível dos especuladores financeiros e CEOs (para usar o linguajar nojento da modernidade empresarial) que tiveram a ousadia de dar vida a essa aberração.


Se soou agressiva ou desproporcional tal abertura dos rabiscos desta semana, amiga e companheiro, devo ser transparente para com a cumplicidade que já construímos neste espaço há alguns anos: sim, você entendeu perfeitamente o tom da introdução ao raciocínio que rabiscarei linhas abaixo. Ele busca preparar-lhe para a revolta, lamento e desabafo de um ex-menino criado num tempo onde o futebol movia sonhos, paixões e ajudava a moldar o caráter das crianças, as preparando para o ganhar e perder da vida.

Para mim e para milhões de meninas e meninos, time de futebol ou competição esportiva nunca foram produtos dispostos numa prateleira de joalheria. Era o espaço sagrado onde ninguém ficava de fora. Fosse ele pobre ou rico, bom ou ruim de bola. E quando se perdia, honrava-se a regra de dar espaço ao “time de fora”. Aguardando a sua vez de retornar e, no campo, tentar superar as adversidades.

Há alguns anos, o futebol, como esporte ou anfiteatro das paixões, caminha a passos largos para morrer, sem ser enterrado. Pior! Tornar-se um zumbi a perambular num mundo estéril. Obrigando a todos a aceitarem sua figura decrépita, fingindo ser a modernidade, a competição do futuro.


A abominável ideia das superligas dos clubes ricos é o retrato surreal e degradante de uma enorme rave, numa ilha paradisíaca, restrita aos mocinhos das startups e aos playboys de sapatênis. Onde o esporte nada mais é do que uma sopa de vaidades, 400 milhões em mimos e escretes montados a partir de preconceitos e desigualdades.

O modelo e a cultura do futebol europeu, por si só, são a receita para o surgimento dessa criatura. Onde o drible não merece aplausos (ou likes, para a turma do “leite com pera” entender o linguajar), pois ele não encaixa na lógica dos algoritmos. Onde a jogada de improviso ou a poesia do toque a mais na bola não valem absolutamente nada, pois não rendem pontos no scout, nas manchas de calor ou no SEO do Google.

A Superliga da Turma do Sapatênis Europeia é o estágio final desse plano macabro de assassinar o futebol-arte-sonho-raiz. E que indo à frente, tendo em vista a cafonice dos cartolas e mecenas brasileiros, logo contaminará o Brasil.


Ser um brasileiro amante do futebol, um latino-americano de paixões à flor da pele e, no caso, um palestrino cruzeirense, e ao mesmo tempo defender esse modelo das superligas, baseadas no apartheid econômico, é cuspir na própria cara. É confessar ter faltado à aula de história.

“Ah, o futebol é caro!” Então, a solução é se separar dos pobres, sonhadores e batalhadores? Essa é a lógica canalha dos bilionários e/ou especuladores, sejam eles europeus, americanos, latinos, brasileiros ou mineiros.

Expulsar definitivamente os clubes integrantes dessa superliga das próximas competições oficiais. Não permitir que atletas inscritos nessa aberração disputem a Eurocopa e a Copa do Mundo. Incentivar torcedores a processarem os donos dos clubes e seus CEOs por danos morais. Tudo isso deveria ser medidas tomadas com urgência pela Uefa e pela Fifa, com apoio dos demais clubes. Antes que esses ratos cresçam ao ponto de contaminarem o resto do mundo. Porque se essa superliga do “futebol europeu” vingar, definitivamente, poderemos aposentar as chuteiras e dar sapatênis aos jogadores. E escrever o regulamento em que aquele que conquistar o seu primeiro milhão com a sua startup, antes de completar 30 anos de idade, será declarado campeão.