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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Há 100 anos, nascia a torcida do Cruzeiro

Vó Miracy nasceu em Abre Campo 500 dias antes do surgimento do Palestra/Cruzeiro e hoje é torcedora ilustre do clube e vibrou com a vitória sobre o Santos com o DNA da Academia Celeste


postado em 21/08/2019 04:00 / atualizado em 21/08/2019 08:40

Vó Miracy sopra as velas dos seus 100 anos ao lado do ídolo, Henrique(foto: Bruno Haddad/Cruzeiro)
Vó Miracy sopra as velas dos seus 100 anos ao lado do ídolo, Henrique (foto: Bruno Haddad/Cruzeiro)


O que nasce primeiro: o time ou seus torcedores? Se sua resposta foi o time, sinto em lhe informar que você ainda precisa conhecer a história da torcida cruzeirense. Ela começa no interior de Minas Gerais, em Abre Campo, na Zona da Mata. Mais precisamente 500 dias antes da fundação do nosso amado Palestra/Cruzeiro. Ali, em 20 de agosto de 1919, nasceu uma garotinha de nome Miracy.

Ainda bebê, mudou-se para a cidade vizinha de Caratinga, onde anos depois também nasceria um cruzeirense ilustre: Ziraldo. Teve nove filhos! E assim como milhares de trabalhadores e famílias simples do interior, ela tomou o rumo da capital na década de 1960. Veio em busca de uma Belo Horizonte de oportunidades, e que se preparava para ser a morada de uma das maiores máquinas de jogar futebol de todos os tempos: a Academia Celeste de Felício e Furletti.

Com o contorno já preenchido pela elite, restava aos interioranos ocuparem as periferias ou os redutos dos italianos e operários, como o Barro Preto e a Floresta. Miracy e sua prole subiram a Lagoinha e foram morar aos pés da Pedreira Prado Lopes, no Bairro Santo André. Sem saber, tornava-se vizinha de um monstro sagrado daquele escrete – o menino Tostão, do Conjunto IAPI.

Assim como milhares de nós, ela se viu completamente apaixonada pelo Cruzeiro e, desde então, nunca mais deixou de ir ao Mineirão viver alegrias (e tristezas) com seu clube amado. Como qualquer cruzeirense bruto, Vó Miracy tem seu ritual. Começa no apartamento onde mora hoje, no Bairro Itapoã. Na parede, as fotos antigas. Por todos os cantos, detalhes que remetem ao azul estrelado.

Ela se arruma como se fosse a um baile de gala. Troca os vestidos rendados do passado por um dos mantos sagrados guardados como joias no armário. Cautelosamente, espera no sofá, pensando sobre o adversário da tarde. Foi assim no domingo passado, momentos antes do jogo contra o Santos.

Pequenina que só ela, se aconchega no único espaço entre as almofadas com o escudo do Cruzeiro. Espera a filha Miracy, o neto Dé e a nora Patrícia. Eles sabem: não podem atrasar. A vovó gosta de sair sempre duas horas antes do início de cada peleja. Tempo suficiente para contornar a Lagoa da Pampulha e avistar o gigante de concreto criado para ser a casa da Nação Azul.

Lá dentro, sobe as escadas como se ainda fosse a moça simples de pé no chão, dos tempos de Caratinga. Durante o primeiro tempo de todas as partidas, não há santo capaz de lhe tirar a concentração. Colada ao alambrado, mantém o olhar fixo, principalmente no seu ídolo do atual elenco, o capitão Henrique.

Na segunda etapa, já mais aliviada com o 1 a 0 sobre o Santos e um futebol de matar a saudade do DNA de toque de bola do seu Cruzeiro, ela se rende às fotos, aos carinhos e aos paparicos de uma torcida que aprendeu a amá-la, sempre que no telão surge sua imagem a sorrir, levando as mãos magras e unhas pintadas aos lábios e lançando beijos como quem marca gols.

Ao apito final e na descida para a esplanada, no domingo passado, enquanto nos fartávamos de voltar a suspirar com o Cruzeiro jogando pra frente, agudo, marcando gols (no plural!), Vó Miracy seguiu ladeada por dezenas de parentes e amigos velhos e novos. Entre eles, nós do Coletivo 1921, que estamos filmando a sua história. Ainda tivemos tempo de cantar “parabéns” ao cair da noite.
Os jogadores do Cruzeiro reverenciaram Vó Miracy, torcedora ilustre do time estrelado, pelos 100 anos de vida(foto: Bruno Haddad/Cruzeiro)
Os jogadores do Cruzeiro reverenciaram Vó Miracy, torcedora ilustre do time estrelado, pelos 100 anos de vida (foto: Bruno Haddad/Cruzeiro)
Ontem, a festa continuou. A Toca da Raposa II se abriu para receber a moça que viu o Cruzeiro nascer. Teve bolo, família, amigas, um abraço coletivo do elenco de jogadores e, o principal, emoção por ver uma guerreira das arquibancadas sendo reverenciada.

Se um dia o Cruzeiro colocar uma camisa na sua sala de troféus, que seja uma vinda do armário da Vó Miracy. Para que ali, ao lado das inúmeras taças do multicampeão, ela seja estendida em destaque. Embaixo, com letras douradas, uma plaquinha escrita assim: “Vó Miracy não nasceu Cruzeiro. Foi o Cruzeiro que nasceu para ela”.
 
 

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