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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O Mineirão te aguarda, River!

Já quebraram nossas pernas, apedrejaram nossos rostos e nem assim impediram nossas reviravoltas; vamos aguardar


postado em 24/07/2019 04:00 / atualizado em 23/07/2019 22:49

(foto: JUAN MABROMATA/AFP)
(foto: JUAN MABROMATA/AFP)


Quando a porta de desembarque do aeroporto se abriu nessa madrugada e os passageiros do voo vindo de Buenos Aires apontaram pelo saguão, entre eles estava mais uma geração de guerreiros celestes. Essas voltas de batalhas contra o River Plate, travadas no Monumental de Núñez, fazem parte da história do Cruzeiro. Seja com pernas quebradas, braços e rostos riscados de sangue por estilhaços de vidros, roubos programados com VAR ou não, classificações heroicas, vitórias encardidas ou mesmo derrotas doídas para serem ruminadas e, em seguida, transformadas em títulos inesquecíveis, dias depois, no Mineirão ou em Santiago.

Numa dessas vezes, há 18 anos, um jovem zagueiro meio polaco, meio touro, desembarcou em 14 de novembro de 1991. Carregava o dessabor de experimentar a catimba argentina e um 2 a 0 para o River Plate no Monumental, quase impossível de se reverter. Na sua cabeça ainda ressoava os cânticos do exército de 60.000 hinchas alvirrubros. Não fossem alguns companheiros experientes e um mentor meio pai, meio bruxo, chamado Ênio Andrade, talvez atravessaria cabisbaixo o portão. Não o fez. Adílson passou com o peito estufado e obcecado pela partida de volta.

O retorno de Buenos Aires, naquele ano, não foi apenas para serem supercampeões da América, uma semana depois no Mineirão. Aquele escrete estava predestinado a iniciar mais um ciclo de múltiplas conquistas do Palestra/Cruzeiro, como foi com o tri de 1928/1929/1930, a Taça Brasil na década de 1960 e a Libertadores de 1976. A maior virada da história do futebol sul-americano, no 3 a 0 de Tilico, Charles e Ademir sobre o River Plate, nunca mais sairia da cabeça do garoto Adílson, que firme na zaga naquela noite do jogo de volta, assistiu um terremoto azul e branco balançar as estruturas das arquibancadas do Gigante da Pampulha.

Quase um ano depois, em 29 de outubro de 1992, o Cruzeiro passava novamente pelo desembarque do aeroporto, retornando do Monumental de Núñez. Outra vez, massacrado numa covarde guerra promovida pelo River Plate e pela Commebol na noite anterior, com direito a ônibus destruído por pedras, censura na transmissão da partida para o Brasil, nove cartões amarelos, duas expulsões e pênalti marcado nos minutos finais. Sob muito sangue, dor e roubo, trazia na bagagem nova derrota por 2 a 0 para o arquirrival argentino.

No saguão do aeroporto, o fenômeno não era um terremoto, mas sim uma avalanche de cabulosos para recepcionar os guerreiros azuis em Belo Horizonte. Mesmo com a derrota, eles haviam conquistado a classificação para a segunda final consecutiva da Supercopa nas disputas por pênaltis.

Os primeiros jogadores foram recebidos com foguetes, bandeiras e gritos de euforia. Torcedores lutavam por uma foto ou uma simples aproximação com os ídolos. No meio deles, a jovem Márcia com as mãos trêmulas. Seus belos olhos, aflitos, procuravam por alguém atrás daqueles portões. Ela estava ali para buscar a maior vítima da barbárie no Monumental.

Alguns minutos depois, seu esposo apontou pelo desembarque, sentado numa cadeira de rodas e amparado pelo médico Ronaldo Nazaré. Junto às primeiras lágrimas de Márcia, veio o silêncio da China Azul por alguns segundos, mas rapidamente transformado numa nova explosão de gritos. Ao abraço emocionado do casal, todos saudaram o jovem zagueiro Adílson, com a perna quebrada, partida ao meio pela violência de um mediano Silvani.

Naquele instante, temia por sua própria carreira, sem nem poder imaginar que, dali alguns dias, assistiria seus companheiros sobreviventes à batalha do Monumental levarem o Cruzeiro a ser bicampeão da Supercopa sobre o Racing. Por isso, quando os portões do desembarque se abriram na madrugada de hoje, e o time estrelado desembarcou de Buenos Aires com a incerteza do futuro na Libertadores, não temos motivo para esquecer tantas outras voltas do Monumental de Núñez e reviravoltas do Cruzeiro que o fizerem ser La Bestia Negra do River Plate.

Até o reencontro da próxima semana no Mineirão, no jogo de volta do maior clássico da história interclubes de Brasil e Argentina, resta-nos lembrar de como o próprio Adílson Batista sempre dizia para a aldeia: “Vamos aguardar”.

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