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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

Sempre vestido de Galo, que são as cores da esperança

Neste Reveilon, vou vestir de novo a armadura preta e branca do Atlético, a roupa de astronauta capaz de me levar ao cosmos pra falar com Deus


26/12/2020 04:00 - atualizado 26/12/2020 00:09

Em 2020, a conquista do título do Mineiro: esperamos agora a tão sonhada taça do Campeonato Brasileiro(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press %u2013 30/8/20)
Em 2020, a conquista do título do Mineiro: esperamos agora a tão sonhada taça do Campeonato Brasileiro (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press %u2013 30/8/20)

Nada indicava, nem de longe, que a camisa do Atlético pudesse trazer melhor sorte a eventos aleatórios da vida. Era bem o contrário: a nossa beca parecia cair como luva ao corvo pousado nos umbrais – era isso, e nada mais.

A despeito desse estado de coisas, eu me vestia de Atlético, ainda que secretamente, em qualquer evento no qual julgava ser providencial contar com a sorte. O manto sagrado estava sob um desajeitado black tie quando cruzei o tapete vermelho, em Nova York, indicado a um prêmio Emmy Internacional. E estava comigo no hospital quando a Fabi foi operada, em julho passado. É a minha folha de arruda, o meu amuleto, as armas e as roupas de Jorge.

Evidentemente que a chegada do Ano-novo sempre ensejou o controverso styling, prêt-à-branquer a desfilar em churrascos na laje, compondo bastante bem com o bermudão puído e as velhas Havaianas. Mesmo assim, lá ia eu: fosse qual fosse o Réveillon, sempre vestido de Galo, afinal, as cores da minha esperança. Ao pular as sete ondinhas, dedicava seis ao Campeonato Brasileiro, reservando apenas uma ficha para as apostas no restante da vida. Parecia justo.

Com o passar dos anos, e como não se pudesse notar qualquer efeito, jamais pensei em abandonar tais práticas. Pelo contrário: achei por bem ampliá-las, pois nunca se sabe como essas coisas se dão, e talvez os sinais não estivessem alcançando o alvo adequadamente.

Além da camisa, então, passei a carregar no bolso um cartão sobre o qual havia feito uma colagem: iscudugalo, alguns autógrafos, dizeres de jornais antigos e o time completo de 1980 menos o João Leite – esse, por razões político-partidárias, eu tinha arrancado a cabeça, de modo a afastar o mau agouro, não do corvo, mas do tucano.

Ao aproximar-se a meia-noite do dia 31, embebido na Sidra Cereser, eu me afastava do grupo pra falar com Deus. Concentrava-me, fechando os olhos e contraindo a musculatura do abdômen, como se faz hoje nas sessões de pilates – não sei você, mas é assim que imagino ser a forma mais eficaz de se comunicar com o homem lá em cima, o sósia de Karl Marx.

Esperava por aquele istmo de tempo em que, de repente, alguma conexão parecia realmente possível. Certamente a Sidra tinha participação no estabelecimento desse 4G. Fato é que, por alguma fração de segundo, eu me tornava uma pessoa de fé. E, então, disparava, antes que fosse tarde demais: “Galo campeão brasileiro, Galo campeão brasileiro, pelamordedeus”. Tirava a colagem do bolso, beijava e pronto – tava lançada ao mar a minha garrafinha, fosse o que Deus quisesse.

Em 2019, eu não tive Réveillon. Às 20h do dia 31 de dezembro, segurava nas mãos uma tomografia da Fabi, minha companheira, num hospital em São José dos Campos. No desenho de seu cérebro havia uma lesão extensa, como se um limão tivesse brotado na sua cabeça. A vida se dividiu entre antes e depois dessa imagem que eu carregava nas mãos, ali, de pé na enfermaria, entre bêbados que já haviam queimado a largada.

O ano virou e eu não estava vestido de Atlético. Tava sozinho num hotel, desprovido do meu amuleto, a Fabi na UTI. Olhava para o teto, sem coragem de apagar a luz. Quando os fogos estouraram lá fora, eu era um cachorro prestes a me enfiar sob a cama.

Dia 31 vai fazer um ano. Lutar, lutar, lutar. Vou vestir as armas e as roupas de Jorge. Vou me equipar com a armadura preta e branca, a roupa de astronauta capaz de me levar ao cosmos pra falar com Deus. A colagem (onde ela estará?) no bolso, como o passaporte pra viagem. Desta vez, naquele istmo de tempo, eu vou pensar apenas na gente. Vocês pedem pelo Galo o mesmo que eu: vencer, vencer, vencer.

Um 2021 com saúde e paz para todos nós.


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