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Estado de Minas Coluna

O Papa Francisco e as novas categorias educacionais para a humanidade

A Encíclica propõe um trabalho de discernimento espiritual, no qual se convoca aos cristãos a buscarem a intimidade da amizade social


02/11/2020 04:00 - atualizado 02/11/2020 07:13

O pontífice em sua encíclica Fratelli Tutti, convida a um olhar amoroso sobre a humanidade como caminho para um mundo melhor (foto: Tiziana Fabi/AFP)
O pontífice em sua encíclica Fratelli Tutti, convida a um olhar amoroso sobre a humanidade como caminho para um mundo melhor (foto: Tiziana Fabi/AFP)
Primeiro foi um olhar carinhoso sobre a “Casa Comum” e os cuidados necessários para a sua sobrevivência (Laudato Si, junho de 2015). Agora, o Papa Francisco nos brinda, na sua Encíclica sobre a “Fraternidade Humana e a Amizade Social” (Fratelli Tutti, outubro de 2020), com um olhar amoroso sobre a humanidade, como caminho para construir um mundo melhor, mais justo e pacífico.

Assinada em Assis, diante do túmulo do inspirador São Francisco, a Encíclica do Papa Francisco é considerada uma Encíclica Social e tenta responder, por encima de ideologias ou confissões, à seguinte pergunta: quais os caminhos concretos que devem percorrer aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas pessoais, políticas, institucionais e sociais? A Encíclica, dividida em 8 capítulos, propõe um trabalho de discernimento espiritual, no qual se convoca aos cristãos a buscarem a intimidade da amizade social, em vez da descartabilidade e indiferença do capitalismo contemporâneo.

No capítulo 1, intitulado “As sombras de um mundo fechado”, a Encíclica entra de cheio na política, com temas como: a manipulação; a deformação de conceitos como democracia, liberdade e justiça; a pena de morte; o populismo doentio; o nunca mais à guerra; a desigualdade de direitos e suas aberrações, dentre outros. Francisco usa sempre um tom pastoral, não condenatório e nem moralista: “Aos cristãos que hesitam e se sentem tentados a ceder a qualquer forma de violência, convido-os a lembrar este anúncio do livro de Isaias: “transformarão as suas espadas em relhas de arado” (2,4). A mensagem é clara: Não, à violência, não à “cultura dos muros”!

O cerne da resposta a essas sombras, é uma reflexão sobre a Parábola do Bom Samaritano, “um estranho no caminho” (c. 2). O Papa denuncia que temos construído uma sociedade analfabeta no cuidado dos mais frágeis e vulneráveis e exorta a construir uma sociedade que saiba “incluir, integrar e levantar àqueles que sofrem”. Pensar e gerar “um mundo aberto” (c. 3), construindo uma “cultura de pontes e de comunhão universal”. A questão está na urgência de responder à pergunta de Jesus no evangelho: de quem temos nos aproximado e cuidado?

Com o sugestivo título de “um coração aberto ao mundo” (c. 4), o Papa lembra que é preciso pensar numa “ética das relações internacionais”, que leve em conta questões tão atuais e trágicas como o racismo e as exclusões, o destino universal dos bens, a dívida externa e as migrações e suas vidas dilaceradas. Assim, Francisco se preocupa com as graves crises humanitárias, apelando para uma legislação universal para as migrações, visando projetos de longo prazo e soluções emergenciais.

Isso passa, obrigatoriamente, por “uma política melhor” (c. 5), aquela que está a serviço do bem comum e reconhece a importância do povo, entendido como uma categoria aberta, disponível ao confronto e ao diálogo. Nesse sentido, política se entende como forma sublime de caridade aos outros na construção do bem comum e se afasta do conceito de populismo, que instrumentaliza e manipula o povo em benefício próprio. O Papa faz um apelo veemente pela promoção dos pobres através do trabalho digno, na perspectiva de solidariedade e subsidiariedade. Nesse capítulo, também, o Papa exige acabar com o tráfico de seres humanos, “vergonha para a humanidade”, a fome e a especulação financeira, verdadeira fonte de horrores e injustiças.

Particular relevância merecem os “movimentos populares”, torrentes de energia moral, que devem ser envolvidos para passar de “uma política para os pobres”, a “uma política com e dos pobres”. Nessa consolidação, Francisco fala do papel da ONU como “família de nações”, trabalhando pelo bem comum, a erradicação da pobreza e a proteção e promoção dos direitos humanos. A ONU deve “promover a força da lei sobre a lei da força”.

Do capítulo 6, “Diálogo e Amizade social”, decorre um novo conceito como “a arte do encontro” com todos, incluindo periferias e povo originários, porque ninguém é supérfluo. O Papa se refere ao “milagre da amabilidade”, como uma estrela na escuridão, capaz de “promover percursos de um novo encontro” (c. 7), construtor da paz duradoura fundamentada no perdão e no amor a todos sem exceção. Parte desse capítulo trata sobre a guerra, “uma ameaça constante, a negação de todos os direitos, o fracasso da política e da humanidade e a vergonhosa rendição às forças do mal”. Atuar em prol da eliminação total das armas nucleares é um imperativo moral, afirma o Papa.

No oitavo e último capítulo, o Papa aborda o tema de “religiões a serviço da fraternidade no mundo”, afirmando que um caminho de paz entre as religiões é possível, sempre que se garanta a liberdade religiosa como direito fundamental para todos. A Encíclica faz uma reflexão particular sobre o papel da Igreja Católica: embora não fazendo política, ela não deve relegar a sua atuação à esfera privada e deve olhar para a dimensão política da existência, preocupada pelo bem comum e o desenvolvimento humano integral de todos os seres humanos.

É facilmente perceptível, nas notas de rodapé, que o Papa busca suas fundamentações não somente em citações bíblicas e ensinamentos papais, mas também em teólogos, conferências episcopais e até fontes não cristãs, citando inclusive um místico muçulmano sufi. O Papa opta por uma conversa mais ampla, horizontes mais largos e ideias plurais que enriquecem, sem dúvida, o teor do seu escrito.

A partir dessas reflexões, a educação não terá outra alternativa a não ser incorporar, de forma sistemática e orgânica, novas categorias e suas nuances no fazer educacional. Sustentabilidade (respeito a outras formas de vida, cuidado com o planeta, consumo responsável, espiritualidade) e Fraternidade (construção da paz, cuidado com os mais frágeis, dimensão política da existência, ética do cuidado, respeito à pluralidade), aparecem, dentre outras, como fundamentais para escrever uma “nova proposta pedagógica”. Claro que algumas competências tradicionais como excelência, realização pessoal, competência, habilidades, inovação e resultados, sobre as quais a educação tradicional se cimentou, continuarão. Mas não incorporar os temas descritos pela Fratelli Tutti e outros emergentes, pode significar a perda definitiva do ser humano e o seu convívio integral e pacífico no planeta terra. Da educação como um todo, portanto. Obrigado, Papa Francisco!

*Francisco Morales foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH durante 20 anos. Atualmente, é diretor pedagógico do Grupo Educacional Vereda.



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