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Educação financeira nas escolas: até onde vale?

"Seria a matemática um aliado educativo em busca da verdade e um dos grandes eixos do sistema educacional?"


postado em 09/03/2020 04:00 / atualizado em 09/03/2020 08:11

(foto: Marcos Santos/USP Imagens)
(foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Confesso que as matemáticas nunca foram o meu forte. Fui um estudante mediano, na época em que as matemáticas eram conhecidas como “matracas”, terror dos alunos e arma dos professores para manter a turma em ordem e apavorada. Passar em matemáticas com boa nota era sinônimo de cdf e estudante acima da média, com os professores mais respeitados do claustro. Nota dez, nem pensar; era sinal de professor fraco!
 
Algumas coisas, porém, me marcaram, dentre elas, a ligação entre a matemática e a filosofia, presente já na escola pitagórica (século VI a.C.), ou na sentença de Platão: “a matemática somente é acessível aos olhos da alma”. Isso sim era, para mim, sempre inclinado à reflexão filosófica, interessante e enigmático. Quis deduzir, então, que a matemática, os números, as representações, guardam por trás de si um significado maior, ocultam uma realidade que, se exposta, ajuda a entendê-las. A elas e à realidade mesma.
 
Nesse marco, em que se confundem números, representações, e problemática social, me marcou a leitura do livro de Leo Huberman, A história da riqueza do homem (1936). Nele, o autor, define o seu trabalho como “uma tentativa de explicar a história pela teoria econômica e a teoria econômica pela história”. O livro nos remete ao desenvolvimento da sociedade humana com suas vicissitudes, cobrindo da Idade Média até o surgimento do nazifascismo. É um livro, ainda, de leitura obrigatória.

Por força da BNCC, partir de dezembro de 2019, todas as escolas brasileiras deveriam estar completamente adaptadas às suas diretrizes, sendo uma delas a que diz respeito à Educação Financeira. Segundo a BNCC, no ensino agora “podem ser discutidos assuntos como taxas de juros, inflação, aplicações financeiras (rentabilidade e liquidez de um investimento) e impostos”.

Essa abordagem, sempre segundo a BNCC, “favorece um estudo interdisciplinar envolvendo as dimensões culturais, sociais, políticas e psicológicas, além da econômica, sobre as questões do consumo, trabalho e dinheiro”.
 
É verdade. Termos como investimento, rentabilidade, juros, bolsa, poupança, inflação e outros, saíram do âmbito dos entendidos, se popularizaram e viraram temas de conversas e preocupação para muitas famílias. A economia ganhou status de cidadania. Multiplicaram-se livros de auto-ajuda (pai rico, pai pobre; como ganhar seu primeiro milhão), blogs (primo rico; super-rico), cursos e chats sobre economia profunda e moedas virtuais, destinados a “abençoar” o dinheiro, saber como investir e alimentar o sonho de tornar-se rico da noite para o dia.
 
Nesse ambiente, multiplicaram-se as empresas que bateram na porta das escolas ofertando cursos de educação financeira, tentando vender a necessidade de investir na conscientização dos seus estudantes a saber usar o dinheiro, poupar, planejar-se para o futuro, mudar hábitos de consumo e, assim, ganhar uma melhor qualidade de vida. Necessário, sem dúvida.
 
Mas, mesmo assim, muitas dúvidas apareceram: O que seria uma educação financeira na escola? Seria a matemática um aliado educativo em busca da verdade e um dos grandes eixos do sistema educacional? A educação financeira proposta pela BNCC ultrapassaria a mera programação financeira liberal, baseada na poupança e no saber gastar de forma programada? Como ser “financeiramente sustentável” numa sociedade que concentra as riquezas e impede uma vida digna para a maioria?

O papa Francisco, com esse feeling social maravilhoso que lhe é próprio, nos ajuda a ampliar a visão. Para tal, como já foi amplamente divulgado pelos meios, convocou para a cidade de Assis, berço de São Francisco, na Itália, dos dias 26 a 28 de março, a mais de 2 mil economistas e empreendedores do mundo todo (30 deles brasileiros), todos com menos de 35 anos. O tema central: A economia de Francisco. O encontro será assessorado por relevantes especialistas no assunto.
 
Debates sobre: trabalho e cuidado, finanças e humanidade, agricultura e justiça, energia e pobreza, desigualdade social, negócios e paz, economia e mulher, economia solidária, vida e estilos de vida, devastação ambiental e políticas para a felicidade, dentre outros, estão previstos na apertada agenda do encontro, que acontecerá se o COVID-19 o permitir, claro.
 
A ideia é que os números, ganhando sentido e dimensão humana, nos empurrem a procurar soluções possíveis: 851 milhões de pessoas passam fome (FAO); pouco mais de 2.6000 bilionários possuem 46 por cento da riqueza mundial (OXFAM); o planeta produz alimentos para 11 bilhões de pessoas, e somos 7,5 (FAO); o PIB mundial é de 85 trilhões de dólares, o que daria 15 mil reais por mês por família de 4 pessoas.
 
O papa Francisco propõe uma “economia que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não depreda”. E aí, ele desafia a encontrar novos caminhos e corrigir os modelos de crescimento nos quais, durante tanto tempo nos fundamentamos, por terem se mostrado incapazes de cuidar da vida e da dignidade dos seres vivos como um todo, e dos seres humanos em particular.
 
Uma proposta de educação financeira que olhe para os hábitos pessoais e suas possibilidades, sim, mas que também tenha um olhar social, político e psicológico, como apregoa a própria BNCC, e que interligue as questões do trabalho, consumo, dinheiro e responsabilidade social, faz todo sentido.

Francisco Morales Cano, foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH por 20 anos. Atualmente, é sócio fundador da Dóxa Educacional

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