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Educação, solidariedade e justiça


postado em 24/02/2020 04:00

Na coluna publicada anteriormente, conversávamos sobre as implicações da educação com a solidariedade ativa, seus pontos de aproximação e questionamentos. Vamos tentar ampliar algumas reflexões sobre o tema, dando um passo à frente, e quanto ele pode ser importante para a educação, em geral, e para a escola privada, em particular.

A solidariedade nos remete para ações que apontam para a possibilidade de uma sociedade diferente, fundamentada em valores outros, enquanto que o conceito de justiça ajuda a estruturar a mesma, estabelecendo padrões de relacionamento, organização social e política na qual essas possibilidades se tornem viáveis e atendam aos indivíduos e às comunidades. Trata-se de fundamentar um debate sobre o modelo de sociedade que queremos construir e viver.

O conceito “justiça” tem sofrido diversas abordagens: filosófica, moral, teológica, social, econômica e jurídica, entre outras. A relevância do tema levou alguns pensadores, ao longo da história, a se posicionarem sobre o mesmo. Aristóteles, por exemplo, valoriza a “ação voluntária e moral do indivíduo, vinculado com a comunidade”; Kant, por sua vez, alerta para o “possível conflito entre o imperativo categórico e a liberdade de decisão”. Filósofos do século 19, como Jeremy Bentham e Stuart Mill, representantes do utilitarismo, afirmam que “qualquer atitude é moralmente correta se tende a promover a felicidade e condenável se tende a produzir a infelicidade, não apenas de quem age, mas também a de todos os afetados pela ação”.

Já no século 20, John Rawls entende a justiça como equidade e como a primeira virtude das instituições sociais que deve ser construída sem nenhum elemento ético inicial, a partir do que ele chama o “véu da ignorância”. Na atualidade, o tema continua despertando interesse. O curso sobre “Justiça”, da Universidade de Harvard, já se estende por mais de 30 anos, com uma assistência média de mil alunos, na grande maioria jovens. O curso é ministrado pelo professor de filosofia Michael J. Sandel e ficou recolhido no livro de sua autoria, Justiça – O que é fazer a coisa certa. “O que fazer com relação ao aumento da desigualdade? O que deveríamos fazer sobre a distribuição da renda? Não é apenas uma questão econômica. É uma questão de justiça”, diz ele.

Quero lembrar também o trabalho de Amartya Sen no seu livro A ideia de Justiça. Nele, o autor, Nobel de Economia em 1998, reflete sobre os desafios decorrentes do fato de existirem "razões de justiça plurais e concorrentes, todas com pretensão de imparcialidade, ainda que diferentes e rivais umas das outras". O livro reflete sobre os critérios mais adequados para avaliar a justiça das situações concretas, com o objetivo de guiar pessoas que pretendem tomar decisões em termos de justiça e liberdade e não apenas de eficiência técnica. Defende uma teoria da escolha social, que se propõe a estabelecer uma teoria capaz de orientar uma escolha valorativa bem-informada.

As igrejas, em geral, e o papa Francisco, em particular, sempre encararam o tema com interesse. Num recente encontro com juristas do mundo inteiro, o papa demonstrou preocupação com a aplicação indevida de procedimentos legais e judiciais, prática conhecida como lawfare, que é usada para minar os processos políticos emergentes e que tendem para a violação sistemática dos direitos sociais. O papa concluiu encorajando os juristas a abrirem espaços e novos percursos para aplicar a justiça em prol da promoção da dignidade humana, da liberdade e, consequentemente, da paz.

A questão que se coloca, nessas alturas do campeonato, é: esse tipo de debate deve de estar presente no processo educacional e formativo dos estudantes?. Penso que sim; claro que dosado e de acordo com o estágio de amadurecimento humano e psicológico dos mesmos. Conceitos como cidadania, solidariedade ativa, justiça e participação devem estar incorporados no pensar e fazer educacional.
É verdade que muitas iniciativas abundam nas escolas: campanhas de doação de alimentos, remédios e roupas; visitas a hospitais, orfanatos e asilos; missões solidárias em lugares longínquos e pobres; interação com escolas públicas e especializadas; programas de intercâmbio e voluntariado. Tocamos os níveis do assistencialismo e da solidariedade, o que já é um passo. Mas, é forçado reconhecer que essas ações pouco ou nada mudam a estrutura social e política que gera esses problemas. Demos um passo à frente, pois é urgente convencer aos educadores de que assuntos como cidadania, solidariedade, ética e justiça não podem ser apenas apêndices curriculares nas escolas.

Iniciativas como “simulações internas”, tribunais de arbítrio, resolução de problemas escolares de forma colegiada, abordagem de situações conflitivas dentro da instituição e outras podem construir nos nossos estudantes um senso interno diferente, onde solidariedade, ética e justiça se abracem. E, assim, os comportamentos presentes e futuros da comunidade escolar toda se consolidem de uma maneira nova.

Numa sociedade como a brasileira, onde assistimos, quase que diariamente, a espetáculos deprimentes, grosseiros, violentos e pouco éticos, até da mão daqueles que nos governam, construir esses valores se torna uma urgência inadiável. Se quisermos ter um futuro digno para todos, construído num ambiente de justiça e solidariedade.

>> Francisco Morales Cano, foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH por 20 anos. Atualmente, é sócio fundador da Dóxa Educacional

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