Jornal Estado de Minas

FILOSOFIA EXPLICADINHA

Vendo casa com independência de empregada



Casa com uma horta, pois consideramos uma indignidade que nossos filhos nunca tenham comido algo plantado por nossa própria mão. Acreditamos que isso não é apenas um gesto de subsistência, mas um ensinamento a respeito do esforço e dos mistérios da terra. Por isso, couve, alface, cebolinha, quiabo e manjericão fazem parte da família.





Deixamos, como cláusula contratual, que é preciso cuidar do galinheiro. Ao contrário, será preciso ir longe para comprar os ovos. O cuidado é sempre mais em conta que o comprado. Não apenas pelo valor econômico, mas pelo vínculo afetivo que construímos no dia a dia da rotina de um lar.

 

O pomar precisa de manutenção constante. Afinal, limão, laranja, acerola, jaboticaba e milho não surgem automaticamente nas gôndolas dos sacolões, colhidos ao verde da moeda corrente, por mais que algumas crianças aprendam, na escola, que a natureza é um recurso. É preciso regar, adubar e se esforçar para que as pragas fiquem longe.

A casa é distante de qualquer trabalho, pois diferenciamos muito bem a vida laboral dos momentos de felicidade. Uma coisa é o que fazemos de segunda a sexta, outra é o que somos na nudez das relações de amor. A distância nos ensina a esquecer a aflição do emprego, enquanto nos prepara, todas as manhãs, para enfrentá-lo. É por isso que, nos finais de semana, fazemos questão de celebrar a alegria de sermos gente, coisa que só é possível longe de relações entre patrão e empregado.

 





Fogão à lenha. A própria natureza fornece os materiais necessários para que o alimento esteja preparado na hora escolhida. Basta apenas se organizar para que, no tempo seco, recolhamos aquilo que foi dispensado por cada árvore, cumprindo o ciclo da vida, fornecendo material para que a tecnologia ancestral do fogo continue.

 

A chuva nunca assusta. Ela nos respeita na medida em que deixamos que corra tranquila, penetrando os espaços que a levarão ao céu novamente, pois sabemos que não é saudável interromper o ciclo dos estados variáveis das coisas do alto.

 

A estrada ainda é de terra. Tenho certeza de que o carro não ficará sujo, essa coisa abundante nos centros urbanos. Por aqui é só barro mesmo. No entanto, ele ficará marcado pelos caminhos do Brasil, valor histórico que confessa a liberdade anterior à chegada dos exploradores europeus. Em troca, o caminho lhe ajudará a desenvolver a paciência e o conhecimento de alguém que trafega, não pelo valor da chegada, mas pela beleza da travessia.  





 

Deixo para o final o mais importante, agregando valor ético ao imóvel apresentado: não temos dependência de empregada, pois nunca trouxemos nenhuma jovenzinha do interior para estudar na Capital, trocando uma jornada de 24 horas por pão, café, leite e cama no quartinho dos fundos. Acostumamo-nos a dar conta da vida diária, com as belezas de arrumar a própria cama, fazer a comida e organizar o ambiente em que vivemos. Independência sempre foi o mais importante.
   

Valor a combinar, pois consolidamos o poder da palavra e a força do diálogo para resolver as questões sociais.

Dispenso interesseiros, sobretudo aqueles que tentam justificar as tantas escravidões, antigas e modernas, do alto de seus alpendres, tomando suco de uva. Já os outros, desinteressados naquilo que alguns consideram imóvel, é só nos procurar.