Jornal Estado de Minas

FILOSOFIA EXPLICADINHA

O amor ao trabalho é uma doença

É impossível não se animar com a proximidade das férias. Só sente o cheiro de liberdade aquele que desenvolveu a habilidade de "corporeificar" conceitos.  Tempo de ócio, de atualizar a filosofia de boteco, lugar onde encontramos erudição valiosa, daquelas nos ajudam a enfrentar a semana como batalha troiana. Ofertada ao preço de cerveja, encontramos a sabedoria que nos faz jogar luzes sob a vida, encarando a trágica nervura do real.





Sexta-feira, no boteco do Chicão, leio a seguinte frase, impressa em papel A4 e colocada estrategicamente ao lado da prateleira de cachaça: a preguiça é uma graça para aquele que venceu o castigo do trabalho.  Sempre quando pergunto ao dono do estabelecimento quem elaborou tamanha reflexão, e ele me responde: deve ter sido algum de vocês que colocou essa placa aí. 

Mesmo sem ler Paul Lafargue, tenho a certeza de que essa frase é do próprio Chicão que, com a humildade típica de alguém que sabe muito das coisas, fez dois movimentos: abriu um estabelecimento destinado à revolta ociosa dos copos tilintantes e, também, espalhou um aforismo extremamente filosófico, coletivizando a autoria conosco, simples mortais. 

Gente saudável comemora a sexta-feira no boteco e não blasfema em relação aos feriados. Um sujeito evoluído reclama da injustiça de vivermos 5 dias úteis e, apenas, dois inúteis. Pessoas do bem apelidam chefe de nuvem, pois quando o dito cujo vai embora o dia fica lindo, e ainda vivem pelo prazer das férias, sabendo que o trabalho tem um único sentido: garantir o cheiro de alforria que emana do churrasco ao final de semana.





A sapiência chicônica nos ensina a evitar dois tipos de pessoas: as vaidosas e as que amam trabalhar. Sobre o primeiro grupo, não precisamos tecer conversa. Tratados filosóficos, compêndios éticos e o texto bíblico já falam exaustivamente desse tipo humano que abriga um espírito sórdido. O vaidoso é um alvo fácil do destino, identificável em sua fragilidade, mesmo a metros de distância. Já o segundo tipo de gente, os work'lovers, precisamos dissertar um pouco nessas malfadadas linhas. 

Amar é verbo que não se conjuga com atividades laborais. Trabalho a gente não ama. Amamos uma mulher, um homem, o cachorro, os filhos, os livros, o futebol, as férias e a cerveja. Trabalho a gente só tolera mesmo. Lógico que você sempre terá aquela ou aquele colega (de trabalho, diga-se de passagem) que discordará veementemente disso. Afaste-se, aos poucos, desse tipo de gente. Isso porque, no fundo, gente assim desama a própria existência. Cuidado, o gozo de alguém que está dentro do buraco é te puxar para dentro dele.

 Geralmente, pessoas que amam seus trabalhos desamam outras dimensões da existência. E todo ato de desamor é muito perigoso. Basta começar a andar na companhia de worklover´s que você começará a valorizar as mesquinharias do dia a dia laboral, passará a se preocupar com o tamanho da barriga, entrando em algum regime mirabolante, vai acreditar em gurus de investimento do YouTube, terminado na lápide contratual de um self-coaching . Há sempre um desamado (ou desamada), que não ouve um chorinho aos domingos, à espera de lutar contra alguém que descobriu a vida além do ofício. 





Work'lovers vendem férias, não suportam a sexta-feira, blasfemam contra feriados, geralmente não bebem (ou o fazem de forma inexpressível) e fazem a hora do almoço respondendo e-mails.

Lembre-se, caro leitor, não falo aqui da necessidade de empregabilidade e da exigência (quase sempre odiável) do desejo patronal. A doença reside em amar essa merda toda!  Gente normal, dessas que queimam carne ao domingo e vão para o estádio de futebol, toleram praguejando a vida proletária. 

Como um profeta etílico da ociosidade, professo: aproveitem as férias para uma desintoxicação, pois ainda há tempo de salvação! Evitem andar na companhia de Worklovers, a menos que você já tenha se tornado um.