Jornal Estado de Minas

ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

A Nova Política Urbana: a hora e a vez das Agências Metropolitanas

Na semana passada, Belo Horizonte sediou, entre os dias 06 e 07, a quarta reunião do Fórum Nacional das Entidades Metropolitanas (FNEM). O evento não poderia ter ocorrido em época mais oportuna, em que os Grupos de Transição que compõem o novo Governo Federal, eleito para 2023, estão debruçados sobre pautas, urgências, hierarquia de prioridades e construção de planejamento para os próximos 4 anos. O FNEM poderá e deverá ter protagonismo nesse debate, bem como na Nova Política de Desenvolvimento Urbano, na reconstrução do Ministério das Cidades e do Conselho das Cidades.



Para se ter uma noção da ordem de grandeza da relevância das Agências Metropolitanas, basta olhar para a representatividade das Regiões Metropolitanas (RMs) no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Somente as RMs das capitais do País respondem por 43,7% do PIB. Se incluirmos todas as RMs do País, de acordo com o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegamos a 82, que correspondem a 69,6% do PIB nacional. E para se ter uma noção da concentração do PIB, as RMs de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina respondem por 39,8% do PIB nacional.

Diante desses dados temos, no mínimo, duas preocupações: a concentração da atividade econômica nas Regiões Sul e Sudeste e a importância das RMs na geração de renda do País. Tudo isso gerado por um século XX que pensou o desenvolvimento (i) priorizando a mobilidade individual; (ii) gerou expansão desmedida da zona urbana e a segregação e exclusão territorial dos mais pobres; (iii) permitiu a prevalência de interesses privados em crescente expansão às custas do desrespeito ao meio ambiente.

O impacto direto na habitação é nítido: somente as 17 RMs das capitais do País respondem por 38% do déficit habitacional brasileiro, segundo cálculos da Fundação João Pinheiro (FJP) para o ano de 2019. Acrescido ao déficit, as estimativas da FJP apontam que 42% dos componentes da inadequação de moradias estão concentrados nessas 17 RMs. O déficit e a inadequação são duas medidas puramente urbanas, mas o peso que têm nas RMs, exclusivamente das capitais, é assustador.



Discutir habitação urbana passa, necessariamente, por conhecer a Nova Agenda Urbana da ONU Habitat – braço da Organização das Nações Unidas voltado para habitação -, definida em Quito, em 2016. Três são seus pilares: primeiro, não deixar ninguém para trás; segundo, assegurar economias sustentáveis e inclusivas; e, terceiro, garantir sustentabilidade ambiental. A partir daí, configura-se um século XXI bem diferente do anterior, com mudança de paradigma e busca pela construção de novas prioridades e valores.

Nesse contexto surge o paradigma da adoção de abordagens sustentáveis e integradas, centralizadas nas pessoas e sensíveis às questões de gênero e etárias que tem como um dos pilares o fortalecimento da governança urbana, com instituições e mecanismos sólidos que empoderem e incluam atores urbanos. Aí entra o papel das Agências Metropolitanas, bem contemplado, também, nos princípios que regem a proposta do novo Governo Federal para as cidades, o saneamento, a habitação, as desigualdades sociais e a segregação.

Partindo de uma perspectiva holística, o estudo “Reconstrução e Transformação das Cidades Brasileiras”, elaborado pela Fundação Perseu Abramo, traz os pilares que devem reger a Nova Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: integrada, multisetorial e multiescalar.



Esses três pilares desdobram-se, por seu turno, em 4 eixos estruturantes: (i) governança e fortalecimento institucional; (ii) participação cidadã e controle social; (iii) transição ecológica das cidades e enfrentamento climático; e (iv) redução das desigualdades e garantia do direito à cidade. 

Transcrevo, a seguir, frase extraída da Nova Agenda Urbana da ONU Habitat: “se bem planejada e administrada, a urbanização pode ser uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento sustentável, tanto para países desenvolvidos quanto para países em desenvolvimento”. A poderosa ferramenta intitulada urbanização bem planejada e administrada é condição necessária, mas não suficiente para a guinada exigida pelo século XXI.

Agências, instituições acadêmicas e de pesquisa, esferas governamentais e legislativas precisam trabalhar juntas e em prol dos mesmos objetivos. Embora tardiamente, o País precisa desenhar planejamento de médio e longo prazo e dar cabo à sua execução sem interrupções político-partidárias que depositam o ônus na sociedade e geram atraso no desenvolvimento econômico e social. 



Puxando para o Governo Federal as rédeas e a orquestração da Nova Política de Desenvolvimento Urbano, o estudo da Fundação Persu Abramo traz esperança do fortalecimento das Agências Metropolitanas e, mais ainda, de uma visão holística que seja capaz de dialogar com diversos segmentos sociais e setores econômicos. 

Nesse contexto favorável e aberto ao diálogo, a FNEM lançou, ontem, dia 12/12, em seu sítio eletrônico, “Carta Aberta das Regiões Metropolitanas Brasileiras”, com claro posicionamento a favor de sua participação nas relações interfederativas, elencando algumas políticas públicas prioritárias, como mobilidade, transporte coletivo, recursos hídricos, habitação, abastecimento de água, saneamento ambiental etc. 

As linhas traçadas pelo estudo da Fundação Persu Abramo para se repensar o urbano só podem ser bem-sucedidas se o Governo Federal for capaz de elaborar políticas que rompam com o excesso de setorização e a falta de integração - combinação explosiva para geração de deseconomias de escala, sobreposição de programas e desperdício de recursos (escassos). Que a FNEM, representando as Agências Metropolitanas, seja capaz de integrar essa construção e levar para as esferas estaduais executivas e legislativas a aplicação desse modelo holístico. O Brasil carece dessa visão mais ampla e integrada.