Jornal Estado de Minas

DIREITO E INOVAÇÃO

A quem interessa a recuperação judicial da Americanas?

Há exatamente uma semana (19/1/23) foi apresentada à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro o pedido de recuperação do Grupo Americanas, formado pelas empresas Americanas S/A, B2W Digital Lux S.A.R.L, JSM Global S.À.R.L e ST Importações Ltda.





O pedido foi apresentado poucos dias após o ex-CEO da empresa anunciar uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço.

O juiz da causa, que já havia concedido medida cautelar antecipando os efeitos da recuperação, como suspensão de cobranças e execuções, deferiu o processamento.

Isso não significa, vale lembrar, que a Americanas já está em recuperação judicial. O que a empresa obteve foi a admissão do início do processo. Sua recuperação só será concedida se os credores aprovarem um plano de reestruturação, que deverá ser apresentado no prazo de 60 dias contados da decisão de 19 de janeiro.



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Na última terça (24/1), a Americanas informou que o total do passivo sujeito à recuperação judicial alcança o valor de R$ 41.231.076.111,35. Apresentou, também, uma lista inicial contendo 7.720 credores.

Já ontem, 25/1, apresentou nos Estados Unidos um requerimento de extensão dos efeitos de seu pedido de recuperação para os credores americanos.

Obviamente, é muito cedo para se fazer qualquer projeção sobre a recuperação da empresa. Complexidade e morosidade são características inerentes à maioria dos processos de recuperação. Além do mais, estima-se que a recuperação judicial da Americanas será a 4ª maior do país.

O que podemos apostar é que o caso fornecerá um manancial extenso para a jurisprudência sobre a matéria. Isso já pode ser visto nas diversas contestações apresentadas pelos bancos credores.





O BTG, por exemplo, conseguiu, por meio de um mandado de segurança, bloquear recursos da empresa que acabaram sendo liberados após o aceite do pedido de recuperação. O banco questiona, agora no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a competência da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro para conduzir o processo.

De acordo com a Lei de Recuperação e Falência (lei 11.101/05), o juiz competente para processar a recuperação é aquele da jurisdição onde fica o principal estabelecimento da empresa e o BTG entende que ele fica em São Paulo.

Apesar de a regra ser clara, são comuns embates deste tipo para se avaliar qual o principal estabelecimento de uma empresa.

No entanto, o grande argumento que tem levado os bancos a se oporem à recuperação judicial das Americanas é a suspeita de fraude decorrente do rombo bilionário na contabilidade.





Safra e Santander requereram a anulação do processo de recuperação alegando que o pedido é baseado em uma fraude conhecida por seus executivos. Dificilmente terão seus pleitos atendidos e a tendência é que o processo prossiga.

A lei da recuperação judicial tem o princípio da função social da empresa como seu
fundamento essencial. Dele decorre uma separação de responsabilidades entre empresa, acionistas e administradores. Assim, ao permitir a preservação de uma corporação, a lei visa a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, dos interesses dos credores e o estímulo à atividade econômica.

De acordo com o juiz que deferiu o processamento de recuperação da Americanas "a
expectativa do legislador, ora operada por este Juízo, é a proteção da empresa como fonte de riqueza em prol da sociedade". E acrescentou ainda que "a eventual quebra do Grupo Americanas pode acarretar o colapso da cadeia de produção do Brasil, com prejuízos em relevantes setores econômicos, afetando mais de 50 milhões de consumidores e colocando em risco dezenas de milhares de empregos".





Vale destacar que, paralelamente à busca pela preservação da empresa, seus executivos, controladores e administradores podem ser responsabilizados pela prática de crimes que contribuíram para a crise do negócio Isso aconteceu, por exemplo, com executivos de empresas que pediram recuperação judicial após envolvimento na Lava Jato.

Deve-se pontuar também que a busca pela recuperação de uma empresa envolve a tentativa de conciliação dos interesses de diversos personagens.

Muito se discute sobre a assimetria de informações e a diferença de poder de barganha na relação entre devedor e credores. De um lado, a empresa que está pedindo a recuperação tem a seu favor a suspensão de ações, execuções e penhoras contra ela até que o plano seja aprovado. De outro, há um grupo ou uma massa heterogênea de credores com interesses variados e sem as informações suficientes sobre a realidade da empresa. É comum não saberem se o melhor é a recuperação nos termos propostos ou a falência.

Além disso, a atuação do juiz em casos de recuperação judicial restringe-se ao controle da legalidade do processo em si. Ele deve fiscalizar, por exemplo, se os prazos estão sendo cumpridos, se a assembleia foi devidamente convocada e se as pessoas presentes à assembleia são credores devidamente listados no processo. Portanto, não é feita uma análise pelo magistrado se essa ou aquela empresa é viável e merece ser reestruturada.

Em 2020, a lei de recuperação e falência foi alterada para permitir que os credores possam apresentar um plano de reestruturação alternativo ao apresentado pela empresa. Porém, a medida tem sido pouco usada. Quem sabe, a complexa recuperação judicial da Americanas possa mudar esse cenário.

O autor desta coluna é advogado especialista e mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes. Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br