Jornal Estado de Minas

DIREITO E INOVAÇÃO

Eleições 2022: um desafio para o Direito digital


Tão logo foi concluída a apuração do primeiro turno das eleições, no domingo passado, um balanço foi realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre crimes eleitorais. Como geralmente acontece em todo pleito, as ocorrências mais recorrentes foram a boca de urna, a compra de votos e o transporte irregular de eleitores. 





O presidente da corte, Alexandre de Moraes, fez questão de exaltar a atuação exitosa da Justiça Eleitoral nesta primeira etapa das eleições.

Destacou, entre outros pontos positivos, a implementação de um horário único de votação em todo o país, a proibição do porte de armas e a limitação do uso de celulares, regras que, segundo ele, serão mantidas para o segundo turno. Fez, ainda, questão de ressaltar uma maturidade dos eleitores no processo democrático.

Leia - A hipervulnerabilidade do consumidor no ambiente digital

De fato, de modo geral, a votação em todo o país transcorreu com tranquilidade, salvo alguns casos isolados de violência e as grandes filas enfrentadas por todos nós.

Não podemos afirmar, contudo, o mesmo sobre o ambiente digital. Em que pese ter havido uma atuação mais incisiva do Tribunal nestas eleições, a sensação que fica é de que os desafios ainda são enormes. Pelo menos, é o que nos indica o protagonismo dos discursos de ódio, das fake news e dos disparos de mensagens em massa.





Vejamos a declaração do Ministro Alexandre de Moraes:“O Tribunal Superior Eleitoral foi extremamente ágil no julgamento de todas as ações, de todas as representações de combate à desinformação, de discursos de ódio, das fake news. Me parece que não tenha tido grande influência nessas eleições”.

Sua manifestação, por mais otimista que pareça, merece ressalvas, se analisarmos alguns pontos. 

O primeiro deles é o fato de que muitas notícias falsas e postagens ofensivas não chegam ao Tribunal. Algumas delas permanecem nas plataformas (Twitter, Youtube, Instagram e Facebook) e outras, mesmo quando excluídas, continuam circulando em redes menores, sendo compartilhadas por nichos do eleitorado.

LEIA TAMBÉM - 
TCU aponta risco à privacidade na coleta de dados pelo governo federal

Outra questão bem relevante é a vitória nas urnas de candidatos reconhecidamente responsáveis pela disseminação reiterada da desinformação e por discursos de ódio. Não é difícil concluir que fazem dessas práticas suas estratégias de campanha.





Agora, se você recebeu mensagens de algum candidato em seu whatsapp que você não conhece, seu nome provavelmente está em uma lista mantida por empresas contratadas para efetuar o disparo de mensagens em massa para eleitores.  

A prática é proibida pela legislação eleitoral que prevê multa e até a cassação da candidatura do político que contratou tais serviços. Fato é que ela, também, continua ocorrendo de forma significativa, sem que haja uma repressão dos órgãos competentes. Além da Justiça Eleitoral caberia à ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) fiscalizar e sancionar os infratores.

Mas, enfim, por que é tão difícil vermos uma mudança nesse cenário? Algumas respostas para essa pergunta podem ser encontradas nas suas causas. São muitas. 

O modelo de negócios das plataformas digitais fomenta estas práticas, tanto pelo viés cognitivo imposto por seus algoritmos, quanto pela remuneração paga aos responsáveis pelo conteúdo disseminado. Há por parte das empresas grande resistência em alterá-lo.

Diretamente ligado a esse contexto está a vulnerabilidade de certos grupos de eleitores que são duplamente atingidos pela desinformação. São ao mesmo tempo levados a acreditar na informação falsa e a duvidar das fontes sérias e confiáveis.



LEIA TAMBÉM - Direito ao esquecimento ou desindexação de conteúdo?

Temos, também, que lidar com a impunidade e com um vácuo legislativo. Na ausência de leis específicas que se adequem a determinadas condutas, o judiciário precisa recorrer, por exemplo, à legislação eleitoral ou ao Código Penal. 

Vários países vêm discutindo caminhos e modelos para uma regulação, mas não há, até o momento, referências sólidas e amplamente aceitas. 

Por aqui estão em análise no senado nada mais que dezessete propostas para alterar a legislação em vigor ou para criar leis com o objetivo de tornar crime a criação e a distribuição de notícias falsas na internet e nas redes sociais. Dentre estes projetos destaca-se o chamado PL das Fake News (2630/2020), que, até o momento, é o projeto que trata de forma mais ampla o ambiente digital em nosso país. 

Mas há, por óbvio, a ausência de vontade política. É difícil vermos parlamentares aprovando normas que lhe sejam desfavoráveis. 

Enfim, se os prognósticos para o resultado das eleições presidenciais estão indefinidos, podemos ter a certeza que a desinformação e outras práticas antidemocráticas continuarão a ter papel de destaque.
 
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio da Empresa Tríplice Marcas e Patentes

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br