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Como as revoluções deram lugar às revoltas

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Vladimir Putin atribuiu a revolução ucraniana de 2014 a um complô americano. O governo chinês menciona a “mão negra” da Casa Branca quando fala das manifestações em Hong Kong. Segundo Filipe Martins, o sábio assessor internacional do Planalto, “os recentes movimentos de desestabilização de países sul-americanos” derivam de “uma estratégia definida pela ditadura cubana, por sua proxy venezuelana e pela rede de solidariedade que as sustenta”. Quando o temível Foro de São Paulo estala os dedos, milhares erguem barricadas em Quito e Santiago...

A razão conspiratória é o lar compartilhado por regimes ditatoriais e ideólogos primitivos. A agitação social não se restringe à América do Sul. No Líbano e no Iraque, protestos de massas coincidiram com as mobilizações chilenas. Bem antes do Equador, os “coletes amarelos” conflagraram as cidades francesas, motivados também por aumentos nos combustíveis. Há algo aí, além da coincidência temporal.

São histórias singulares, países diferentes, modelos distintos.
Numa ponta, a França social-democrata, com desigualdades moderadas e taxas letárgicas de crescimento econômico. Na outra, o Chile liberal, com rápida expansão econômica e fortes contrastes sociais. Porém, em todos os casos, a centelha da revolta são cortes de subsídios de transportes, elevações de preços da gasolina, tributos sobre produtos ou serviços de consumo geral. No Líbano, a faísca foi uma taxa sobre ligações por WhatsApp.

A primeira década do século, um longo ciclo de expansão mundial, deixou um rastro de gastos públicos insustentáveis. Os ajustes em curso, que refletem a redução do crescimento global e se destinam a reequilibrar as contas públicas, são os alvos das manifestações. Não é pelos 20 centavos: o conflito organiza-se em torno de contratos sociais em mutação. Como repartir a conta da austeridade? A pergunta, cedo ou tarde, chegará ao Brasil, como uma mancha de óleo.
Tomem nota, Bolsonaro e Guedes.

Os governos nascem das urnas, sob a lógica da dinâmica político-partidária. As revoltas nascem das ruas, na moldura da desintermediação política generalizada. Os partidos declinam, as redes sociais tomam o lugar que foi deles. Nas margens, minorias radicalizadas explodem coquetéis molotov, enfrentam a polícia, desafiam até mesmo soldados. O quebra-quebra carece de respaldo majoritário. Contudo, que ninguém se iluda: os manifestantes contam com extenso apoio popular.

Não são levantes “espontâneos”, algo inexistente no planeta da política. Nas ruas, destacam-se as bandeiras de sindicatos, entidades estudantis, grupos organizados. Mas a desintermediação tem um preço, expresso pela ausência de lideranças definidas e de agendas nítidas de reivindicações.

As redes sociais operam como máquinas de replicação.
O recuo de Emmanuel Macron, que anulou o tributo sobre a gasolina, animou mobilizações em terras distantes. A retirada do equatoriano Lenín Moreno ajudou a acender o pavio em Santiago. No fim, sitiado, o chileno Sebastián Piñera desistiu do discurso da “guerra”, ofereceu desculpas ao povo e improvisou um pacote social. Sem um Pinochet (ou um Xi Jinping), o programa ultraliberal converte-se em utopia: uma ideia fora do tempo.

Derrubar o governo – a meta extrema emergiu em todos os lugares, logo depois da conquista inicial. Os “coletes amarelos” pedem nada menos que a renúncia de Macron. A mesma exigência surgiu no Equador e, nesses dias, ecoa no Chile. A revolução, venerável senhora, o maior dos mitos modernos, levantou-se da cadeira de balanço?

Revolução, só com intermediação política. Não basta clamar pela queda do governo: é preciso definir os contornos de um poder alternativo e o desenho de um novo contrato social. A era das redes sociais, esse outono dos partidos, assinala um retrocesso. A revolução política cede à revolta social.

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