Jornal Estado de Minas

LULA ELEITO

Zema e a derrota de Bolsonaro: o erro de cálculo do governador de Minas


Minas Gerais não virou. E mais uma vez, fez jus à pecha de “estado que guarda o país”: Lula alcançou 50,90% dos votos válidos em território nacional; em Minas, obteve 50,20%. Enquanto Bolsonaro arrebanhou 49,13% no Brasil; no estado levou 49,80%.



Se Romeu Zema não conseguiu entregar a Jair Bolsonaro o “troféu” do eleitorado mineiro a Jair Bolsonaro, é indiscutível que, entre o primeiro e o segundo turno, a distância entre o desafiante e o incumbente caiu de 4,69 pontos percentuais para 0,49 ponto percentual.

Também é verdade que, entre os dois turnos, Lula saiu de 5.802.571 votos para 6.174.077, um aumento de 371.506 votos, o que representa 6,4%. Já Bolsonaro cresceu 16,9% entre os dois turnos, saltando de 5.239.264 votos para 6.124.498, um aumento superior à média nacional.
No Brasil, Bolsonaro registrou um crescimento de 13,9% entre o primeiro turno, - quando teve 51.072.345 votos - , e o segundo turno, com 58.187.313 votos. Minas lhe deu, portanto, 3 pontos percentuais acima da média nacional. Tal é o efeito que pode ser atribuído à força tarefa, coordenada pelo governador Romeu Zema (Novo) que se abateu sobre o eleitor mineiro sem a menor cerimônia. 



Foi ligado o trator no estado. Romeu Zema - que, no primeiro turno, para vencer a fatura evitou se posicionar com Bolsonaro, aceitando de bom grado o voto Lulema -, uma vez eleito, resolveu assumir onde sempre esteve: o governo de Minas e a sua estrutura burocrática em pressão sobre prefeitos e deputados se alinhou organicamente aos empresários e à máquina do governo federal, que operou os conhecidos abusos, como o empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil.

A este pool se juntaram os pastores tocando o terror sobre fiéis e ameaçando com o fogo do inferno quem votasse no petista. Patrões ameaçaram demitir empregados; organizaram rodas de conversa e visitas presidenciais a frigoríficos. Um périplo patético que remonta à República Velha e às estripulias narradas por Vítor Nunes Leal no livro Coronelismo, enxada e voto.

Mas os eleitores lulistas e antibolsonaristas resistiram, presos ao horror pela retórica da violência armamentista e das memórias do negacionismo, além dos discursos cruéis proferidos pelo atual presidente durante a pandemia. O eleitor mineiro demonstrou grande altivez. 



Para Romeu Zema, que saíra vitorioso com a reeleição em primeiro turno sobre o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), foi uma rodada eleitoral desnecessária. Apostou, com o fígado, energizado pelo ódio que alimenta ao PT e mirando em 2026.

Zema achou que arrancaria de Minas a vitória a Bolsonaro e sairia desta parada como o herói nacional do bolsonarismo. Ato contínuo, imaginou que seria o sucessor de Bolsonaro à eleição presidencial de 2026.

O cálculo foi equivocado por todos os ângulos que se examine. A começar pelo detalhe de que Bolsonaro não é dado a lealdades, e, como se viu nas eleições de 2018, deixou os seus aliados de primeira hora pelo caminho.

Em segundo lugar, se vencesse as eleições, Bolsonaro concentraria tanto poder que, a exemplo do roteiro tão bem desenhado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as democracias morrem, com o controle do Congresso, faria as alterações constitucionais que lentamente consagrariam o estado totalitário religoso no Brasil.



Colocar fim à limitação da reeleição seria só uma das possibilidades. Nesse contexto, não haveria país algum para Zema se eleger presidente. E por fim e não menos importante, Romeu Zema se lançou nesta aventura como se não houvesse amanhã. Atacou Lula pessoalmente mais do que o faria um estadista mineiro. Reeleito para governar uma Minas endividada, está com as batatas à mão. Precisará humildemente construir pontes com o governo federal. 

Pela frente são anos difíceis, de um país dividido pela retórica da violência, numa dimensão alternativa de narrativas, em desequilíbrio fiscal e profundas demandas sociais. Zema poderá sempre apostar no fracasso absoluto do futuro governo do presidente eleito Lula. Mas pouco terá a ganhar, já que a prateleira da oposição já está preenchida pelo próprio Jair Bolsonaro.

O governador reeleito precisará sair dessa sombra sinistra: não há espaço político para que navegue na disputa presidencial de 2026 concorrendo contra o bolsonarismo.  A menos que se contente em concorrer ao Senado Federal e, de novo, encontrar pela frente Alexandre Kalil correndo por uma das duas cadeiras em disputa no próximo pleito.

Já Rodrigo Pacheco (PSD), que com Lula eleito renova chances de se manter à frente do Congresso Nacional, estará em 2026 pronto para correr atrás de seu mais sonhado projeto político: o governo de Minas.