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PADECENDO

Ângela Diniz e homens que querem silenciar mulheres

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O filme "Ângela", disponível no Prime Vídeo, mostra como um homem pode se sentir atraído por uma mulher livre e querer transformá-la em sua propriedade, querendo apagar nela tudo o que o atraiu. Para isso, usam de violência física, psicológica, e todos os tipos de abuso - coisas que vemos todos os dias nas manchetes dos jornais. Homens inseguros que matam mulheres as quais não conseguem controlar.





Ângela Diniz foi morta em 1976. A tese de "legítima defesa da honra", usada pelos advogados de Doca Street, só foi considerada inconstitucional apenas agora, em 2023.

A tese era utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.

E qual conduta justificaria o assassinato de uma mulher? De acordo com a tese, qualquer conduta que se aproximasse da masculina teria o direito de fazer o que bem entender com  a vida da mulher. De dizer não, de terminar um relacionamento, de se divertir, de ser livre. Ou seja, qualquer conduta que tire a mulher do papel de "bela, recatada e do lar".
 
Foi muito depois da morte de Ângela que Nathalia se envolveu com uma pessoa destrutiva, um Doca Street do século XXI. Enquanto estava vivendo aquela relação, não conseguia ver como era doentio. Era uma relação abusiva e ela não se dava conta. Para controlá-la, ele destruía sua autoestima. Ela se encolhia e se submetia para evitar ser atacada novamente. Foi adestrada. Quando fazia uma coisa que ele aprovava, era elogiada. Se fazia algo que ele não gostava, era reprimida. Tinha necessidade de agradar, deixava-se ser punida quando não atendia às expectativas. O ciclo era mantido cada vez que ela se submetia. 





Ele gritava com ela por todos os motivos. Por ter citado um amigo homem numa conversa sobre trabalho, por ter pintado as unhas, por ter saído da aula no horário. Não a proibia de fazer nada, mas a culpava por ser preterido, sempre achava que ela dava mais atenção aos estudos, ao trabalho. Àquela altura ela já tinha notado que estava presa em um relacionamento abusivo. Começou a planejar suas ações para agradá-lo, queria que ficassem bem. Queria evitar que ele tivesse mais uma explosão de raiva. Tinha medo.

O tempo passava e ela ficava mais acorrentada àquele ciclo de violência. Ele estava em cima dela quando ela pediu para parar. Ele não parou. Ela não queria. Disse que estava passando mal. Ele não parou.

"Azar o seu."

Foi até o fim.

Naquela mesma semana, ela ia para a aula, mas ele não a deixou sair. A segurou pelo braço e a empurrou. Tirou sua roupa. Ela disse que não. Ele deu risada e continuou. Doeu. Depois disse que era para ela aprender, mas foi só uma brincadeira. Achava que a culpa era dela. Ela levou anos para entender que havia sido estuprada. Ele não se parecia com o estuprador do seu imaginário. Eles eram namorados e ele dizia que a amava. Ela achava que estuprador não podia ser alguém próximo. Não achava que sofria violência, porque entendia que violência deixaria marcas, hematomas, sangue, ossos quebrados. Não entendia que violência psicológica existe e que deixa marcas internas.





Nathália conseguiu terminar o relacionamento, mas precisou de medida protetiva, se mudou. Descobriu que estava grávida, não queria um filho daquele homem, recorreu a um aborto. Nunca imaginou que faria essa escolha, sonhava ser mãe, mas não naquele momento. Nunca daquele homem que dizia que ia matá-la. Ela não era fraca. A culpa nunca foi dela. A culpa nunca é da vítima.

Infelizmente, histórias como a de Ângela Diniz ainda seguem acontecendo no Brasil. O número de feminicídios só aumenta. O filme é um retrato do machismo e da misoginia que nos cerca. E para saber mais sobre a história de Ângela Diniz, o julgamento de Doca Street e o papel do movimento feminista no processo até a prisão do assassino, escute o PodCast "Praia dos Ossos".