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Dona de casa e feminista

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Muita gente confunde feminismo com femismo. Femismo é o posto de machismo, feminismo é um movimento em prol dos direitos da mulher e da igualdade de gêneros. O oposto de feminismo seria “masculinismo”, caso os homens tivessem a necessidade de lutar para ter os mesmos direitos que as mulheres. Como feminismo trata de lutar pela igualdade de direitos, é possível ser dona de casa e feminista, ou feminista e dona de casa.




 
Para ser uma dona de casa feminista, é preciso não reproduzir o machismo, e não culpabilizar ou responsabilizar a mulher por tudo. Todo adulto funcional, independentemente do gênero, deve ser capaz de cumprir funções domésticas, afinal, se você vive em uma casa, deveria ser capaz de cuidar dela e não depender de outras pessoas para fazê-lo. Ser feminista não nos libera das atribuições domésticas, quando falamos em direitos iguais, devemos pensar que, nesse caso, há também deverem iguais, portanto, homens também tem o dever de cuidar do próprio lar.
Fiz essa pergunta numa mídia social “É possível ser dona de casa e feminista? Seguem algumas respostas que recebi:
 
“Mulher pode ser o que ela quiser.”
“Eu sou dona de casa, mas se pudesse, se tivesse dinheiro, não seria, pagaria alguém para assumir essas funções.”
 
“A mulher pode estar onde ela quiser! Todo apoio à liberdade de escolhas!”
“Uai e como não ser? A não ser que você tenha condições de pagar pelo serviço doméstico, você precisa fazer de tudo.”




 
“Uai dá para ser o que a gente quiser, não queria ser dona de casa, mas ainda não tenho essa opção.”
 
“Oxe! Quem disser que não dá, não tem a menor ideia do que é ser feminista. Eu hein?”
“Se a mulher escolheu ser dona de casa e está feliz... É claro que dá!”
 
“Dá para ser tudo que quiser. Como eu não quero ser dona de casa, faço questão de não ser.”
Ser dona de casa e feminista não é uma questão de escolha, embora no Brasil tenhamos o hábito de terceirizar o trabalho doméstico. Quando terceirizamos esse trabalho, quem o faz? Geralmente outra mulher. Geralmente uma mulher pobre, uma mulher negra, uma mulher que não tem escolhas. Como eu posso ser feminista e escolher não fazer o serviço doméstico, se eu estou terceirizando esse serviço para uma outra mulher?
 
Precisamos pensar no feminismo com um recorde de renda, raça, sexualidade e parar de querer simplificar como se fosse uma simples questão de escolha. Precisamos compreender a realidade de mulheres que não têm os mesmos privilégios que nós, mulheres brancas, de classe média, heterossexuais, cisgênero. 
 
Quando não fazemos esse recorte e acreditamos que é apenas uma questão de poder escolher nos tornamos mulheres que querem se equiparar aos homens brancos e ricos, alcançando o mesmo poder que eles têm e isso significa esquecer das mulheres que têm menos privilégios do que nós temos, mulheres que nunca tiveram escolha e que precisam cuidar da casa, dos filhos, da família de outras mulheres por uma simples questão de sobrevivência, nunca de escolha. Isso não é feminismo. 




 
Precisamos tomar cuidado para não reproduzir o discurso machista que desvaloriza e invisibiliza o trabalho doméstico. Uma mulher feminista precisa pensar na coletividade, nas conquistas de todas as mulheres. Uma mulher feminista precisa colocar os homens no lugar de cuidadores e não apenas provedores, dividindo essa carga, e não a terceirizando para outra mulher. Sim, dá para ser dona de casa e feminista, mas será que dá para ser feminista terceirizando as atividades domésticas? Nosso feminismo é inclusivo ou é excludente?
 
Num país com tradição patriarcal e escravocrata como o nosso, a discussão não é simples, o trabalho de doméstica ainda tem ranço de escravidão, e não de uma relação trabalhista como outra qualquer - com direitos, com objetividade, com boa remuneração. Precisamos melhorar muito como sociedade para construirmos relações mais saudáveis com esse tipo de função. 
 
Num matriarcado, homens e mulheres compartilhariam todas as funções da casa e, na impossibilidade de conseguir manter tudo em ordem, poderiam contar com a ajuda de outros profissionais - que poderiam ser homens ou mulheres, com remuneração que permita ao profissional ter seus direitos básicos garantidos. Nesse contexto, mais pessoas poderiam se dedicar a funções de limpeza e cuidado por escolha e não pela falta de poder escolher.