Jornal Estado de Minas

Padecendo

Carta para uma gestante

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Preciso te contar algumas coisas sobre gravidez e parto. São coisas que eu aprendi tarde demais e, se pudesse voltar para 2009, viveria uma experiência muito diferente. Seria protagonista, e não expectadora.





Você está indo muito bem, levando a gestação focada no lema “gravidez não é doença”. Está conseguindo trabalhar, cuidar da saúde, fazer atividade física, se alimentar bem. Gravidez não é doença, mas quem vomita tanto estando com a saúde em dia? Quem tem tanta azia? Quem fica com os pés tão inchados no fim do dia?

Impossível viver como se não tivesse outro ser crescendo dentro de você. Lembre-se disso e faça pausas sempre que precisar. Gravidez não é doença, mas transforma seu corpo, mexe com seus hormônios, te transforma.

Você está certa em querer ter um parto normal. Embora as pessoas achem que cesariana é mais simples e o parto dói demais, a verdade é que a cesariana dói tanto que demanda uma anestesia bem mais potente para que você não sinta a dor da sua barriga sendo cortada. Você também está certa em entender que cesariana pode vir a ser necessária, e tudo bem se você realmente precisar usar esse recurso. Acontece que não basta ter um parto normal.

Não basta ter um parto normal. Você ainda não ouviu falar sobre parto humanizado, mas deveria. Quando você estiver no hospital, em trabalho de parto, você vai achar tudo normal, mas vai sentir falta da humanização, mesmo sem saber do que se trata.





Na sala pré-parto, separada das outras gestantes por uma cortina, você vai se sentir muito sozinha. Vai passar muito tempo deitada naquela maca, se sentindo desconfortável, sem posição, morrendo de dor a cada contração. Esperando seu marido preencher a papelada do hospital. Esperando sua médica, que está presa no trânsito.

O que dói mais? A contração ou não ter ninguém com você, te dando a mão e dizendo que vai ficar tudo bem?

A dor da contração a gente esquece, a dor daquele desamparo momentâneo dura uma vida.

O anestesista vai aparecer, vai aplicar a anestesia e sair para lanchar. Seu marido vai chegar, vai te dar a mão, mas você precisava de colo, de abraço. Todo mundo ali vai ter pressa, menos seu bebê, que quer nascer no tempo dele.





O ambiente da sala de parto é hospitalar, como se você fosse passar por uma cirurgia e não pelo nascimento do seu bebê. A única coisa que lembra que tem uma criança nascendo ali é aquela musiquinha suave de xilofone. Todas aquelas luzes. Tudo branco. Você deitada numa maca. Deitada.

Como ajudar o bebê a nascer se você nem pode ficar numa posição que ajude a fazer a força necessária? Todos aqueles exercícios do pilates que você passou meses fazendo, o treinamento na força da respiração. Deitada na maca.

Você ainda não sabe o que é a Manobra de Kristeller, mas vai descobrir na prática. Enquanto a médica faz a episiotomia, outro médico aperta sua barriga para pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê.





Todo mundo tem pressa.

Você é uma boneca inerte.

Você se sentirá aliviada quando vir aquele bumbum, eles vão colocar seu filhote embrulhado no seu colo. Não vai ter toque de pele com pele. Você queria colocá-lo no seu peito, seu instinto pede. Mas não vai dar tempo nem de sentir o cheiro dele. Irão tirá-lo dos seus braços, com toda aquela pressa. Seu bebê saudável será levado para o berçário para tomar seu primeiro banho e passar os primeiros minutos de vida longe de você.

Ele lá, com estranhos, num lugar tão assustador, tão iluminado e frio, tão diferente do quentinho do útero. Você sozinha, esquecida, no escuro da madrugada, na sala de recuperação. Os minutos vão virando horas. As pessoas passam e não te veem. Será que você morreu no parto e está ali vendo um corpo vazio? Por que ninguém te olha?

Finalmente você será levada para o quarto, e o bebê ainda não está lá. Quando ele chega, você o amamenta. Ele pega no peito instantaneamente. Ele também estava esperando por esse momento. A enfermeira passa e pergunta se pode levá-lo para o berçário novamente.

Você não quer soltar mais, está exausta, é madrugada, mas ele não vai sair do quarto. Faz muito bem. Vocês precisam ficar coladinhos um no outro. É isso que seu coração manda, e o coração nunca está errado. 

audima