Jornal Estado de Minas

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Uma em cada três pessoas negras já sofreu racismo no transporte público

 
 
O transporte público infelizmente ainda é um terreno fértil para situações de racismo. Em um determinado dia, estava voltando do trabalho à noite e o ônibus em que eu estava foi interceptado por um viatura  da Polícia Militar. O motorista parou o veículo, um policial entrou e disse que alguém tinha jogado um bilhete pela janela falando que o ônibus estava sendo assaltado. 




 
Por alguns segundos, o policial começou olhar para alguns passageiros como se procurasse alguma movimentação atípica. Na minha frente tinha uma rapaz negro retinto, que estava sentado e que,  durante toda a  viagem parmaneceu dormindo, inclusive, mesmo com a parada e entrada do policial, ele parmaneceu com a cabeça inclinada, dormindo. Ele parecia muito cansado. 
 
Quando o policial olhou para esse rapaz, sem pestanejar, pegou ele pela camisa e jogou para fora do ônibus. O rapaz acordou super assustado, sem entender o que estava acontecendo e foi revistado várias vezes na calçada. 
 
Diante dessa situação, alguns passageiros (me incluo nisso) começaram a questionar a atitude do policial. Era um completo absurdo!
 
Ao escutar esses questionamentos, o policial voltou para dentro do onibus e soltou uma frase: “pessoal, escolhemos revistar esse rapaz, mas não é porque ele é negro, não, não é racismo, não”. Também já vivi momentos terríveis nesse sentido.




 
Uma vez entrei no ônibus, que já estava lotando, e uma senhora branca começou a me encarar, logo em seguida ela disse:  “o Brasil é um país racista e vai continuar sendo, não tem o que fazer. Essa gente foi escrava e não tem como mudar o que passou, então a piada vai continuar sim, o xingamento também”. 

Quando entro no ônibus sempre percebo olhares de medo e algumas pessoas escondem as bolsas e celulares como se eu fosse um bandido, outras se recusam a sentar ao meu lado. Além disso, perdi as contas de vezes que já  fui alvo de deboche e “piadas” em relação ao meu cabelo crespo e meus traços dentro de ônibus. 
 
Só quem passa por isso, sabe como é constrangedor e sobretudo, como essas situações magoam, ferem nossa autoestima e geram raiva e frustração. 
 
A pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que 72% das pessoas já presenciaram situações de racismo em seu transporte do dia a dia e 39% foram vítimas do crime. Ou  seja, duas em cada cinco pessoas negras já sofreram preconceito em seus deslocamentos. Além disso, 65% dos trabalhadores negros do transporte foram vítimas de preconceito durante o expediente. 




 
O estudo foi encomendado pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) com o apoio da Uber, em parceria com o Instituto Identidade Brasil (ID_BR). O levantamento ouviu 1,2 mil pessoas e mais de mil profissionais do setor de transporte.
 
Segundo a pesquisa, as formas de discriminação mais comuns são:
  • menosprezo (24%);
  • abordagens desrespeitosas  (17%);
  • agressões verbais e expressões racistas (14%).
 

O estudo aponta também que as situações de racismo acaba afetando o comportamento das pessoas negras na hora de planejar seu deslocamento: 29% das pessoas negras declararam que já mudaram a forma de se locomover pela cidade devido às situações de preconceito ou discriminação, número que sobe para 31% entre mulheres negras.




 
As mulheres negras também são as que mais se sentem vulneráveis nos deslocamentos: 72% delas temem sofrer algum tipo de assédio sexual; 64%, agressão física e 47% sofrer algum tipo de racismo.
 
Além disso, o levantamento incluiu duas imagens para comparar a percepção dos profissionais de transporte sobre as diferenças entre um homem negro e um branco: seis em cada dez profissionais acreditam que uma pessoa negra é mais propensa a provocar medo entre os passageiros do que uma pessoa branca. Os motoristas também têm uma chance muito maior de não parar o veículo para embarque para um passageiro negro do que para um branco (61% contra 7%).
 
Diante de dados tão alarmantes, fica evidente a necessidade de criar ações e políticas públicas com o intuito de informar e conscientizar a população sobre o que é o racismo estrutural, quais são os males que nascem dele e como ele se manifesta no transporte público. 




 
Além disso, todas as pessoas que trabalham diretamente ou indiretamente nessa modalidade precisam receber letramento sobre o que é o racismo estrutural. Vale ressaltar que racismo é crime, previsto na Lei 7.716/1989, e ocorre quando o agressor atinge um grupo ou coletivo de pessoas, discriminando uma etnia de forma geral.
 
Já o crime de injúria racial está previsto no Código Penal brasileiro e consiste em ofender a reputação de alguém com elementos relacionados à raça, cor, etnia, religião ou origem.  

Canais de denúncia

Delegacia Especializada em Repressão aos crimes de Racismo, Xenofobia, Homofobia e Intolerâncias Correlatas – DECRIN
Telefone: (31) 3335-0452
Endereço: Avenida Augusto de Lima, 1942 – Barro Preto
Horário de Funcionamento: Segunda à Sexta, de 12h às 19h
Disque 100 – Disque Direitos Humanos