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A divulgação dos princípios do novo regime fiscal tem sido útil para mudar o nível dos debates e expor o nonsense dos que falam em risco de insolvência. Só que faria mais sentido tratar de contas públicas a reboque de um programa de crescimento da produção industrial. Essa é a discussão adiada desde a moratória da dívida externa nos anos 1980, deflagrando o longo declínio do desenvolvimento nacional.





Mas o presidente Lula foi convencido a pôr o regime fiscal à frente da reforma tributária, tal como o governo de Michel Temer, em 2016, confrontado entre dois caminhos: priorizar a reforma da previdência, tese de Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, ou teto de expansão dos gastos da lei orçamentária, proposta de Henrique Meirelles, seu ministro da Fazenda, ambas através de emenda constitucional.

Temer aprovou o segundo caminho, adiando para 2019 a mudança da previdência, que talvez tornasse desnecessário o teto que asfixiou os investimentos e o funcionamento de serviços públicos essenciais. A reforma previdenciária com Temer poderia ter sido mais justa, pois incluía a corporação militar excluída por Jair Bolsonaro, deputado de sete mandatos dados pelos quartéis do Rio de Janeiro.

Alguma regra mais estrita do gasto obrigatório das aposentadorias, associada à reforma da governança do Estado, visando adequá-lo aos processos digitais, teria promovido uma revolução da eficiência estatal, ao contrário da cogitada reforma administrativa, cujo fim é economizar e não bem aprimorar a gestão dos serviços públicos.





Algo assim é condição precedente para enfrentar o tal Custo Brasil, que vem a ser um dos grandes entraves ao aumento da competitividade das exportações de manufaturados e uma das principais demandas do empresariado não acomodado. Reformas têm de ser seriais, uma puxando a outra, vertendo os seus efeitos para toda a economia.

Só que não tem sido assim. A tração para a economia crescer a gosto é prometida vagamente como epílogo ora da estabilização da dívida pública, cuja trajetória não é explosiva, ora de reformas motivadas para retrair o Estado, não para elevar a sua eficiência.

Pessimismo da inteligência

Em suma, se “o pessimismo da inteligência não abalasse o otimismo da vontade”, segundo o romancista francês Romain Rolland, a retomada do desenvolvimento deveria condicionar a formulação macroeconômica, hoje ditada pela ortodoxia do mercado financeiro e do Banco Central, o QG dos supostos riscos fiscais a inflar os juros e ameaçar a inflação.





Cobra-se do governante o que caberia aos empresários entusiasmados, que o país já teve aos milhares, aos trabalhadores e aos intelectuais reclamar dos atalhos que servem para atrasar o que se faz necessário. A revisão tributária, por exemplo, embora complexa, é mais imperiosa que um programa de contenção do gasto orçamentário. Do gasto público espera-se que governo, Congresso e TCU zelem pela sua integridade.

O regime fiscal, chamado de “arcabouço” para dar ar de superioridade ao velho arrocho, não tem a premência do acerto das bases tributáveis e alíquotas nos moldes do Imposto sobre o Valor Adicionado, batizado de IBS, em discussão na Câmara (a PEC 45) e no Senado (PEC 110).

O país se curva aos capinancistas, como o jornalista Joelmir Betting chamava os rentistas, para dar ao BC razões para desinchar a Selic de 13,75% ao ano vis-à-vis a inflação de 5,6%, e cedendo. Já os excessos tributários são o maior gravame do Custo Brasil – estimado em R$ 1,5 trilhão pelo Movimento Brasil Competitivo, comparado à média global.





Uma reforma tributária ampla, enfim, traz, por princípio, um ajuste fiscal mais crível que regras dependentes de interesses de ocasião.

Dissonância dos arrochos

Não será teto de gasto ou o nome que se queira dar que vai evitar os políticos eleitos de entregar o que prometeram para se eleger. É a dissonância também do arrocho para onerar o crédito aumentando a taxa de juro do overnight (a Selic) para conter a inflação.

O resultado é alcançado quando o desemprego se torna relevante e os salários reais encolhem, como admitiu o presidente do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, em fevereiro de 2022, questionado se ele queria infligir mais dor aos trabalhadores. Sua resposta: “Em linhas gerais, sim, precisamos ver uma moderação nos aumentos salariais. É doloroso – não quero, de forma alguma, suavizar essa mensagem”.

Àquela altura, diz a economista Ann Pettifor, o trabalhador inglês já enfrentava o período mais longo de estagnação salarial desde as guerras napoleônicas. Por isso, arrochos monetários têm de ser breves e bem direcionados, o que está longe de ser a regra. E explica por que os políticos mandam às favas os regimes fiscais que, se cumpridos à risca, os condenam à demissão pelas urnas.





Política econômica equilibrada, com o crescimento como pivô, é o meio mais seguro contra traumas de arrochos e protagonismo do BC.

Revitalização industrial

Lula expressa incômodo por chegar aos primeiros 100 dias de governo sem mudar as expectativas da economia, embora tenha uma lista grande de entregas, da volta da prioridade das políticas sociais à proteção do meio ambiente. Mas é a economia que marcará seu terceiro mandato.

Industrial e presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva tem na ponta da língua seis ações horizontais para uma agenda inovadora: reforma tributária, com foco no IVA; desburocratização radical, no espírito do Custo Brasil; eficiência da estrutura de gestão do Estado em seus três níveis; facilitação do crédito em termos de juro, garantia e prazo; ampliação do mercado de capitais e de seus instrumentos; e digitalização maciça aplicada aos cinco itens anteriores.

Tais urgências se completam com uma lista não exaustiva de segmentos da manufatura e serviços de tecnologia que exigem atenção, diz ele: transformação da motorização veicular, geração e distribuição de energias eólica/solar; exploração, refino e aplicação de minerais raros usados na cadeia produtiva dos dois segmentos; regionalização de novas indústrias graças às fontes de energia de baixo custo, aumento da resiliência do agro, focando a produção de fertilizantes, defensivos, sementes, maquinário e logística.

E mais: promoção da cadeia industrial de grãos (soja, milho, café, algodão etc.), com valorização de marca de origem; fortalecimento da indústria nacional de defesa; expansão de insumos e equipamentos da cadeia de saúde; semicondutores de uso intensivo por bens de consumo duráveis e informática; reforço da oferta de programas e serviços da digitalização produtiva e cibersegurança.