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Após quase três meses, momento é de decisão para a economia brasileira

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Com três meses incompletos de governo, o repique da inflação no mês passado é legado da política econômica dita liberal de Bolsonaro até porque de Lula ainda se espera mais que declarações de princípios de seus ministros. O presidente tem sido claro com eles: quer projetos e programas que façam a economia crescer e criar empregos.



Com mais clareza que em seus dois governos anteriores, o presidente reconhece que programas de transferência de renda como Bolsa-Família são ações emergenciais à espera de empregos fartos e maior acesso da população ao mercado de trabalho por meio da educação. Tais eventos caminham juntos, mas é o dinamismo empresarial, impulsionado por uma política econômica de longo prazo favorável à sua expansão, que abre vagas de trabalho e provê incentivos adequados à criação de empresas.

Essa é a racionalidade da visão do presidente e é o que explica sua insatisfação com a gestão permanentemente restritiva do Banco Central por meio da taxa de juro, vulgo Selic, muito acima da inflação que se propõe a reprimir, além das muitas travas baixadas nos últimos anos para tentar cassar da política a gestão dos gastos orçamentários.

Isoladamente, tais ações têm méritos, sobretudo as com propósito de melhorar a qualidade do gasto corrente e de custeio do setor público. Mas, aplicadas por anos a fio, elas asfixiaram o capital de giro das empresas e encareceram os financiamentos de ampliação e melhoria da produção, distorcendo o crédito, que é principal canal de crescimento econômico. Pelo lado fiscal, reduziram a altitude do voo da economia, ao escassear também por decisão ideológica o investimento com origem fiscal (da lei orçamentária) e parafiscal (sobretudo do BNDES).



O resultado já é história, e mês a mês ela se apresenta aos olhos de quem queira enxergar nos dados da inflação (que está cedendo mas deu um pequeno avanço mensal de 0,53% em janeiro para 0,82% em fevereiro) e os números trimestrais sempre mirrados do PIB.

Lula recusa tal conformismo. Três décadas de crescimento de cerca de 1,5% ao ano implicaram regressão da renda per capita e um rastro de sofrimento e frustração – do achatamento da produção à precarização tanto do emprego, que é um fenômeno razoavelmente estudado, quanto da menos falada rede de nanos, micros e pequenas empresas. Elas empregam o maior contingente da população, e são as grandes vítimas do modelo econômico alheio ao potencial do país afora as commodities.

Restrições autoimpostas

Tudo se passa como se o país tivesse saltado da restrição cambial só superada depois da ascensão industrial da China, levando-a à condição de maior comprador de produtos agrícolas e de minérios do mundo, para a restrição estrutural de oferta doméstica para uma demanda normal.



Carência de divisas, sobretudo dólares, é o que aleija a Argentina e a maioria dos países que nem passaram na fase de subdesenvolvimento à de economias emergentes. As importações chinesas de commodities foram como benção para estes dois setores que estavam bem capacitados tanto em termos tecnológicos quanto de logística para atender a procura.

Tal bonança coincidiu com o primeiro governo Lula, que se alavancou politicamente, assegurando oito anos de crescimento bem aproveitados, além de orientar o Banco Central a adquirir parte dos dólares para a formação do que nunca tivemos: reservas equivalentes a mais um ano de importações regulares, seguro contra as crises externas habituais.

Cabe outra vez a Lula endereçar a restrição de uma economia impedida de crescer a larga por decisões no princípio procedentes, no bojo da sequência da reforma monetária de 1994, mas com o tempo desvirtuadas para o fundamentalismo financista, que enxerga ‘abismos fiscais” em cada esquina dependendo do governante eleito. A Ponte para o Futuro do governo Temer não se destinava a matar o desenvolvimento, mas foi o que provocou com a mal concebida emenda do teto de gasto federal.





Investimento sem amarras

O mercado financeiro fez vista grossa para a irresponsabilidade de Bolsonaro para se eleger e, depois de ver aprovada a reposição dos dinheiros no orçamento de 2023 ignorados na proposta de Paulo Guedes enviada ao Congresso – ao emascular as funções obrigatórias do Estado para apresentar um simulacro de superávit fiscal –, os dirigentes do mercado financeiro voltaram-se contra Lula.

A gota d’água foi a sugestão do Banco Central de Roberto Campos Neto de adiar para 2024 o início do ciclo de distensão da Selic de 13,75%, cuja expectativa era que começasse até junho. O ministro Fernando Haddad busca uma solução conciliatória e antecipou para esta semana o anúncio do programa que substituirá o finado teto de agosto. A ideia é que o BC, na reunião do Copom dia 21, reconheça esse esforço.

A proposta de Haddad passará por Lula. Ele deve buscar preservar o investimento fiscal e parafiscal de restrições. Sem isso, tanto Lula como as lideranças do Congresso se algemarão, e a estagnação estará plantada como o cenário mais otimista até 2026, pelo menos.





De que país eles falam?

O presidente não está sozinho em sua jornada pelo desenvolvimento. A ficha caiu para as principais empresas à medida que o crédito escasso e caro vai sugando suas forças vitais. Na linha d’água está o varejo.

Se o crédito está tóxico para empresas grandes, supõem-se que esteja impossível para as PMEs, conforme estudo do ano passado do Ipea. Nele os pesquisadores Mauro Oddo Nogueira e Cezar Rogelio Vasquez mapeiam a dimensão das pequenas empresas e porque se pode dizer que estamos diante de uma tragédia. Um dado: 75% da força de trabalho tem ocupação em “nanos, micros ou pequenas empresas”, diz o estudo.

Mais: segundo dados da Receita, em 2020 havia 19,2 milhões de CNPJ ativos. Desses, 9,8 milhões eram MEI (ou seja, pessoas com CNPJ, mas não necessariamente com receita regular), 6,6 milhões eram microempresas e havia 1,0 milhão de empresas de pequeno porte.



O restante 1,9 milhão de CNPJs era de médias e grandes empresas. Ou seja: 89% dos empreendimentos formais do país são negócios diminutos. Apesar de pequenas, esse contingente de 17,4 milhões de empresas, diz o estudo, responde por 29,5% do PIB (dado de 2020). Mas é muito mais, considerando a parcela informal, que o Ipea diz estar estimada de 16% a 37% do PIB. “Independentemente da estimativa considerada, é lícito afirmar que o peso das atividades informais não é desprezível. Desse modo, o mais provável é que pequenos negócios, somados os formais e os informais, respondam pela produção de mais da metade do PIB.”

Resumindo: os pequenos negócios (formais e informais) respondem por 3/4 dos empregos e metade do PIB. Lembre-se disso ao ler ou ouvir as críticas ao BNDES por buscar alternativas de capital, ao “cenário de incertezas” criado pelos ataques de Lula ao BC. Sim, há uma certeza: eles não falam da economia brasileira, nem de seus empresários e os assalariados.