Jornal Estado de Minas

BRASIL S/A

Um país com governantes desqualificados não chega a lugar nenhum

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Duas imagens retratam o Brasil que se tem e o Brasil que se quer. A do Brasil que desembarcou do desenvolvimento 40 anos atrás se vê sem cortes nem censura na exposição das falcatruas no Ministério da Saúde trazidas à luz pelos principais senadores da CPI da pandemia.



Os malfeitos são chocantes, agravados tanto por se darem à sombra das ações tomadas para o enfrentamento do vírus que já levou 530 mil vidas, milhares pela falta de empenho do governo na compra de vacinas, quanto por sabermos das incúrias graças a funcionários concursados não intimidados por militares e cupinchas de políticos lotados na Saúde pelo então ministro, general Eduardo Pazuello.

Desperdícios, contratos suspeitos, ausência de responsabilização individual explícita das chefias do ministério, carência de planos de curto, médio e longo prazo, baixo conhecimento sobre o SUS e sua operação tripartite (executiva por estados e municípios e provedora de insumos, recursos e diretrizes pelo governo federal, depois de aprovado pelo Congresso), chefias ocupadas por gente ordinária.

Em síntese, pois os registros de inépcia são fartos (e transcendem a pasta da Saúde), o que a CPI vem devassando com os depoimentos da alta cúpula da Saúde é a desorganização do setor público em geral – e menos por obra de seus quadros permanentes que pelo despreparo de ministros e governantes para planejar, administrar e entregar.



É da inapetência executiva do Estado brasileiro, que vem de longe e se tornou patética na atual gestão, que brota a corrupção. E ela é sistêmica, infiltra-se em todos os degraus da “firma” – seja ela governo eleito ou sistema permanente que lhe cabe gerir, orientar e controlar. A falta dessas premissas e de visão apartidária sobre a melhora da população explicam a secular frustração do progresso.

O Brasil com propósito independe de ideologia ou não teríamos sido o país de maior crescimento econômico entre 1950 e início da década de 1980, com regimes democrático e autoritário neste longo período. O que se perdeu desde então? Essa é a pergunta chave. As respostas são múltiplas, já que talento sempre houve, mas hoje não mais aqui. O Brasil que se quer desponta lá fora, e não falo de jogador de futebol. Eles são outstanding onde mais precisamos.

O sucesso que fala inglês

O senso de missão, essencial ao desenvolvimento mais econômico que social destas duas eras que inspiraram a fabulosa transformação da China depois de 1978, segundo o economista franco-americano Michael Pettis, professor em Pequim, desapareceu com a ruína da ditadura.



A gestão econômica se acocorou, o processo público se tornou arena de luta entre os lobbies do patrimonialismo e o fetiche fiscalista, desenvolvimento virou palavra maldita, e veio o êxodo dos jovens, que voltou a crescer, enquanto fracassamos por incúria e omissão. O Brasil que se quer é visto nas carreiras excepcionais de dois jovens que foram estudar nos EUA, lá ficaram, e chegaram ao topo.

Um é Eduardo Saverin, 39 anos, cofundador do Facebook com Mark Zuckerberg, hoje cidadão de Cingapura, onde multiplicou sua fortuna investindo em startups de tecnologia da Ásia. Esta semana, apareceu em 1º lugar no Brasil no ranking dos bilionários da Forbes, com uma fortuna estimada em US$ 19,5 bilhões.

Outro brasileiro, Cristiano Amon, 50 anos, também foi notícia, ao assumir a direção executiva da americana Qualcomm, CEO da gigante da indústria de semicondutores produzindo entre outros componentes chips do iPhone. A Qualcomm é um dos carros-chefes da estratégia do governo Biden para enfrentar a China na corrida tecnológica.



Nosso liberalismo apedeuta

Como talento é qualidade universal, Saverin, Amon, entre outros em ascensão no mundo, porque aqui estariam desempregados, poderiam ter criado o Facebook no Brasil, se tivessem condições e oportunidades. Mas como? A única fabricante nacional de semicondutores, a Ceitec, estatal criada em 2008 em Porto Alegre, será fechada porque não dá lucro, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. Amon, formado em engenharia elétrica na Unicamp, provavelmente trabalhasse lá, e hoje estaria à procura de emprego. Nosso liberalismo é apedeuta.

O mundo sofre uma escassez de chips, montadoras estão parando suas unidades no Brasil por falta de componentes, e a Ceitec teve cartão vermelho por ser estatal e acumular prejuízo de R$ 160 milhões. Não entra na conta superficial desses senhores o prejuízo pela dispensa de 180 pessoas com alta qualificação técnica. A isso chegamos.

Chegamos e regredimos. Mas esperar o quê de governantes sem noção sobre políticas de desenvolvimento, como o presidente da vez, que alega desconhecer economia e, quando se aventura a discorrer sobre o que não sabe, fala de mineração em terras indígenas, de grafeno e nióbio, desconhecendo que conhecimento é o que cria riqueza, como mostram os países que trazem o mundo a reboque? E sem educação, que lhe preocupa só o que lhe atiça seus preconceitos, ninguém prospera.



Fanfarrões não constroem

As coisas vão mudar para melhor? Um dia vão e mais cedo mudarão se se pensar desde já como mudar e para onde a partir de 2022, já que, por ora, restam as desinteligências de um governante adolescente, a petulância de políticos fisiológicos e a tecnocratismo de uma gente sem noção, e com muito pouca razão, na formulação econômica.

Pegue-se como exemplo o pacote do Imposto de Renda com mudanças de grande complexidade enviado à Câmara. O presidente Arthur Lira, um cardeal do centrão, queria votar ainda este mês sem passar pela CCJ e comissões temáticas, sem audiência pública, para impedir que se constate que o resultado será um brutal aumento de carga tributária para bancar projetos eleitoreiros de Bolsonaro. É o não caminho.

O tema mais quente é a volta da tributação do lucro distribuído à alíquota de 20%. A maioria dos países onera o lucro distribuído aos acionistas, dizem ele e o secretário da RF. Ok, têm razão. Só que a afirmação omite que a maioria dos países que tributa dividendos os abate da base de cálculo do IR das empresas. É cinismo de ambos?

O Brasil que se quer existirá quando o governante não xingar seus adversários de “imbecil”, dizer que “nasceu naquele lugar”, fazer piadas homofóbicas, politizar os quarteis, ameaçar não ter eleição sem voto impresso. Brasil de fanfarrões não constrói, só destrói.