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Mudanças no Congresso vão, no fundo, atrasar avanços do país

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A Brasília da política, da burocracia e do mercado financeiro, que tomou o espaço que um dia já foi das empreiteiras, das montadoras e dos bancos comerciais, está em festa com a captura do governo Jair Bolsonaro pelo Centrão, a rede amorfa de partidos, parlamentares e seus operadores profissionais e alguns setores econômicos que fazem do setor público uma área de mineração de vantagens a céu aberto.


 
Não bem captura, a bem da verdade, já que Bolsonaro sempre militou em seus 28 anos como deputado federal em partidos do tal Centrão, o apelido do grupo de constituintes que, por meio de barganhas com os blocos de esquerda e conservadores, reescreveu o projeto original da Constituição de 1988 para, por exemplo, definir multinacionais com negócios no Brasil como empresa brasileira para todos os fins e direitos. Na barganha, apoiaram a estabilidade dos funcionários públicos, e não apenas os de carreiras de Estado, casamento civil entre homem e mulher e outras pautas de costumes.
 
O que não teve voto para mudar foi mudado depois, como o regime tributário mais sobre consumo e produção que sobre a renda nascido com as reformas de 1964 a 1966. A Carta promulgada alterou tal regime, que logo depois retornou com uma emenda constitucional.
 
Aquele Centrão da constituinte tem relação com o de hoje somente o apelido e o pragmatismo. A formação atual está mais para operadores de interesses próprios e de seus patrocinadores nas eleições. Para eles, partido é uma formalidade para atender à lei, que impede candidaturas avulsas. Mas não é incomum partidos com dono, e para tal o “senhorio” nem precisa disputar alguma eleição.


Muitos parlamentares operam também à revelia da direção partidária quando lhes convém. Mas negociam em bloco quando a ambição é maior – um ministério, a chefia de uma estatal, o comando da Câmara e do Senado. Nesse caso, quando a cobiça coincide com a do presidente da República de turno, o Centrão opera em bando e cobra os frutos da “parceria” – liberação de verbas para redutos eleitorais, projetos bancados com recursos públicos para os setores que os patrocinam, cargos em áreas do governo com orçamento próprio e autonomia para promover licitações, contratar fornecedores, empregar parentes etc.
 
Em rigor, tais interesses é que foram a voto na Câmara e no Senado na última segunda-feira, não um projeto de país ou mesmo ideológico.


Vaidades e ressentimentos

O Centrão, vitorioso no embate contra o bloco que o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia articulou, e a tentativa do MDB de voltar ao palco no Senado não alteram a ordem de nada. As casas do Congresso, em rigor, eram mais reformistas com viés liberal na economia que as intenções de Bolsonaro. Divergiam dele na pauta ultrarreacionária.
 
Isso não deve mudar, embora os projetos propostos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, especialmente os que mexem com os ganhos da elite da burocracia e tributam quem hoje é pouco tributado, não são os mesmos cogitados pela nova maioria. Atenção: maioria emprestada, não vendida, como supõem os deputados bolsonaristas. Não implica adesão incondicional a Bolsonaro nem a garantia de que vão estar juntos em sua eventual campanha à reeleição.


 
Bolsonaro não estava mal com Maia na Câmara. A animosidade começou com Guedes, incomodado com a exposição de Maia no noticiário e sua interlocução com líderes empresariais e do mercado, a turma chamada “farialimers”. Guedes se queixava de Maia a Bolsonaro e ele, por sua vez, via mal a exposição de Maia. Até aí, a disputa era movida por vaidades e ressentimentos. O pessoal do Centrão observou a oportunidade de virar o jogo se pusesse algum veneno.


Poder da vereança federal


Em meados do ano passado, os dois maiores partidos do tal Centrão, PSD e PP, espreitaram os sinais de mudança, mas não estavam a bordo das negociações do comando das casas para continuar à frente delas.
 
A articulação de Maia tinha fraquezas: o ressentimento de Guedes e de Bolsonaro; a falta de caciques do Nordeste, cuja representação parlamentar excede sua população; a proximidade com o governador João Doria e com o apresentador Luciano Huck, ambos cogitados para concorrer a presidente numa frente de centro nas eleições de 2022.


 
Daí até fazer a cabeça de Bolsonaro foram dois palitos, cabendo ao PP, ex-PDS e PPB, renomeado como Progressistas (com mesmo berço na Arena, o partido da ditadura, assim como o DEM, ex-PFL). Veio daí a aliança de conveniência entre os lados marginalizados, e o governo fez a sua parte: entrou com verbas extraorçamento, pois as outras os parlamentares já têm, mais a promessa de cargos.
Tais movimentos reforçam lições desaprendidas a cada eleição. Não se governa sem a retaguarda da massa cinzenta de políticos para os quais ideologia é conversa de desocupados, além de entender ser seu papel atrair recursos para suas bases como “vereadores federais”.


Tradição avilta a política

Tão importante quanto a escolha do presidente é a de parlamentares eleitos para a Câmara e o Senado, embora a estes o eleitor em geral e a própria imprensa e grupos sociais pouco deem atenção. Adicione-se o erro secular influenciado pelo sistema eleitoral e de governo dos EUA de a maioria ver o governo como agente de mudança, o que não é.


 
O Congresso é o poder à frente na ordem dos fatores democráticos, até da corte suprema. Se o Congresso pode emendar a Constituição, julgar ministro do STF, impedir o presidente da República, cabe-lhe a formulação do programa que o Executivo deverá implantar. Não como é hoje, com o Congresso a reboque do governo, que tem suas prerrogativas, mas mais limitadas que as das “casas do povo e da Federação” a que se submete. A tradição avilta a política.
 
Isso vem mudando, mas ainda por razão fisiológica. O dinheiro de emendas a que cada parlamentar tem direito, somado aos repasses ao fundo partidário, atingiu, em 2020, R$ 18,4 bilhões, pouco menos que a dotação do investimento na lei orçamentária, R$ 19,5 bilhões, como revelou a jornalista Maria Cristina Fernandes.
 
Fica evidente que Bolsonaro pode ter se livrado do risco de sofrer impeachment no Congresso, mas a sociedade continua impichada, sem a menor chance de ser o sujeito deste jogo, ao menos até 2022.