Alta do PIB é surpresa para os distraídos

Manifestação de espanto diante da alta de 0,6% da economia mostra miopia do mercado

Antônio Machado
O crescimento de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre reforçou o ânimo dos governistas e da torcida organizada do mercado de que a recuperação da economia é consistente. Quanto à tendência do PIB, a maioria se ateve ao trivial: manterá o ritmo de avanço trimestral de 0,6%, acumulando alta de 2,5% ao fim de 2020.

Como tais análises vieram acompanhadas da manifestação de surpresa pelo resultado, conclui-se que o otimismo desses economistas é como sorriso de miss. A expansão intertrimestres até junho fora de 0,5%. Se na sequência houve estímulos ao consumo, além de continuidade da redução da taxa de juro básica Selic pelo Banco Central e melhoria do emprego informal, o PIB só poderia avançar, ainda que pouquinho.

Para nós e uns poucos economistas, como Fernando Montero, não por acaso sempre citado neste espaço, a volta gradual do crescimento é tendência desde meados do governo Michel Temer. Surpresa, portanto, só teve quem ou andava distraído ou esperava mais do Ministério da Economia sob a regência de Paulo Guedes. A recuperação cíclica, em geral, se sucede a grandes quedas do PIB, como em 2015 e 2016.

Surpresa, para valer, tem sido a lentidão da volta da economia ao nível anterior à recessão no ocaso dos governos petistas. Ao ritmo atual, segundo o IBGE, a economia se encontra no patamar de 2012 – ainda distante do pico pré-crise, no primeiro trimestre de 2014.

A rigor, tomando-se a evolução em 12 meses, o PIB segue mambembe. Recuou de 1,6% no 1º trimestre de 2018 para 1,3% no seguinte, 1,1% no 1º e 2º trimestres de 2019 e 1% até setembro.
Isso se deve a que o investimento em máquinas, equipamentos e construção (a métrica da expansão da base produtiva e um dos fatores de sua produtividade) continua estagnado em 16,3% do PIB. Deveria ser de 23%. De 2010 a 2013, estava em 21,5% do PIB, mas com baixa relação capital-produto.

O que as análises omitem é que há duas instâncias temporais ao se olhar a economia. A mais comum no noticiário é a de curto prazo. É neste contexto que se diz que a economia está melhor. Nela, olham-se mais o consumo das famílias, que tem sido o motor da recuperação, e indicadores imediatos, como exportações (fracas), gasto público (em queda) e o investimento (carente da porção estatal, que sumiu).

Meias verdades fiscais
Menos discutida é a perspectiva do crescimento econômico de médio e longo prazos, função do investimento público (que este governo colocou no osso) e privado, mais conectado à confiança futura que à força do consumo doméstico, como supunham os governos petistas depois de 2006.

O governo Jair Bolsonaro põe todas as fichas da volta do crescimento nas reformas fiscais e na redução do tamanho do Estado, o que implica autocontenção induzida do papel estatal como ente catalisador do desenvolvimento por razões alheias à situação das contas públicas.

Não estávamos numa rota de insolvência nem quando o governo passado aprovou no Congresso a indexação constitucional do gasto federal à inflação anual. Era uma medida para forçar a discussão sobre o motivo de cada rubrica da lei orçamentária, sobretudo as políticas sociais e a gestão dos servidores, além da adequação da Previdência à tendência demográfica (maior expectativa de vida e menor ritmo populacional) e revisão das iniquidades que beneficiam a elite da burocracia.

Tal debate continua no limbo, como indica a relutância do presidente em levar ao Congresso a reforma administrativa, que está pronta. Mas haveria maior apoio político se as reformas fossem tratadas pelo que são, a alforria do Estado dos que o aprisionam, não porque sem elas não sobre dinheiro para o Estado investir, o que é consequência.
Manipulação das ideologias
No fim, é a ideologia manipulando a cena política em prejuízo do que diz atender: os mais pobres. Antes, se chegaria a isso com o auxílio do gasto público. Hoje, com “menos Brasília e mais Brasil”, o bordão do governo atual. Em ambos os casos, as confusões são conceituais.

O investimento, nas duas fases da ideologia do poder incumbente, tem o privado à frente do estatal, que sempre foi complementar, ainda que relevante em logística, energia e saneamento. A origem do funding era estatal na fase anterior, com tomadores privados, que seguem pivôs.

O que mudou é que o funding das operações tende a ser mais originado no mercado de capitais que nos bancos federais. A queda dos juros vem abrindo este caminho.
Hoje, a emissão de ações e de títulos privados de dívida já supera os desembolsos do BNDES, como já havia superado em 2007, antes da grande crise financeira global e de Lula e Dilma ressuscitarem o modelo dirigista-estatizante.
Drama social foi induzido
Duas questões estão ausentes na virada de concepções. Primeiro, não houve tempo de transição. Foi muito brusca a pisada no freio do BNDES – mais até que no investimento pago pela lei orçamentária. Segundo, descuidou-se do drama social da economia estagnada: desemprego alto, trabalho precário em nível recorde e regressão da renda per capita.

Se o PIB crescer 1,1% este ano e 2,3% em 2020, a renda per capita estará no fim do ano que vem 6,1% abaixo do pico no início de 2014, segundo o economista Armando Castelar Pinheiro. Só em 2025 voltaria ao patamar de 11 anos atrás. Omite-se que o progresso é resultado do aumento do emprego e do investimento. Ambos, com melhor educação e tecnologia, expandem a produtividade e o bem-estar. Assim é que é.

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