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Estado de Minas BRASIL S/A

Por que os protestos no Chile são alerta contra precariedade social

É isso que faz água no mundo, como sequela de políticas econômicas insensíveis aos mais frágeis


postado em 27/10/2019 04:00 / atualizado em 27/10/2019 08:02

Manifestações crescentes no Chile já duram oito dias(foto: PABLO COZZAGLIO/afp)
Manifestações crescentes no Chile já duram oito dias (foto: PABLO COZZAGLIO/afp)
 
 
A onda de protestos violentos no Chile, vitrine das virtudes de políticas econômicas liberais numa região infestada de populismos, chocou o mundo. Vista como análoga às assombrosas manifestações de junho de 2013 no Brasil não previstas por ninguém, o tom tanto lá, como antes fora aqui, combina surpresa, tensão e improviso.
 
Desde o fim da ditadura do general Augusto Pinochet, o Chile tem sido exemplo de democracia plena, de liberdade econômica com bons resultados (os melhores da região) e avanços sociais. Como poderia o povo ir às ruas com tamanha raiva e ressentimento em todo o país diante desse sucesso, questiona a “intelligentsia” internacional?
 
Ainda agora, a perplexidade é ampla de uma ponta a outra do arco ideológico. É o que deixa margem a teorias conspiratórias em tempos de fake news, especialmente comum entre os governantes sequiosos em afastar para longe de si quaisquer responsabilidades pelo que possa prejudicá-lo, tal como o vazamento de óleo no litoral do Nordeste.
 
Descartem-se, em benefício da compreensão, as especulações sobre o envolvimento de agentes e dinheiro de Venezuela e Cuba na origem dos protestos. Se houvesse tais indícios, o presidente Sebastian Piñera, empresário e político experiente, não teria pedido “perdão” aos chilenos nem revogado o aumento de 30 centavos de pesos da tarifa do metrô de Santiago, que agiu como estopim da insatisfação (similar ao aumento de R$ 0,20 da passagem de ônibus em São Paulo em 2013).
 
Nem teria anunciado várias medidas sociais e prometido outras mais, depois de intensa repressão e a multidão continuar nas ruas, alheia, inclusive, ao toque de recolher no país.

Não é simples entender o que aconteceu, até porque pouco estudado pelos economistas e politicólogos de formação liberal e distante da rotina dos políticos. Estes governam, em regra, para seus eleitores organizados. Aqueles geralmente tratam a realidade das pessoas como abstração estatística e influenciam decisões com base numa suposta superioridade em relação à política. É isso que faz água no mundo, como sequela de políticas econômicas insensíveis aos mais frágeis.


Sentimento de abandono


Curioso é que a agitação no Chile levou muitos no Brasil a negar a racionalidade dos protestos, sugerindo a necessidade de justificar a política econômica atual – semelhante, quanto à intenção, às reformas liberais de Pinochet, mantidas por todos os governos seguintes de centro-esquerda e de centro-direita, como a coalizão de Piñera.
 
Na verdade, há três níveis de discussão. O primeiro é que parte do povo chileno se julga largado pelos governantes. Aqui vem de longe o mesmo sentimento, razão de o eleitor ter respondido positivamente à reforma monetária de 1994 e votado duas vezes no PSDB.
 
Frustrado com o segundo mandato, deu chance ao PT, reelegeu-o mais três vezes e se omitiu no processo de impeachment, contrariado com as denúncias de corrupção nas gestões petistas e os sinais de reversão da distensão social logo após a reeleição de Dilma. E outra vez deu um cavalo de pau ao resolver experimentar Bolsonaro, uma espécie de anticandidato, que fez campanha desancando o meio de onde veio.


Classe média depauperada


A seu jeito, o eleitor há muito tempo diz o que anseia dos governos. Os surtos de raiva eclodem quando a indiferença se torna gritante. Em 2013, ouviram-se dois bordões. “Queremos hospitais padrão FIFA”, em referência ao desperdício com as arenas para a Copa. Outro: “Sem partido!”, gritado quando o PT tentou aderir.
 
O segundo nível de discussão remete à constatação de que as ondas de protestos (aqui em 2013; hoje no Chile, ontem no Equador; os coletes amarelos na França; no Líbano; Brexit; eleição de Trump) começam pela classe média depauperada pela crise de 2008. E se agravam pela insegurança frente às tendências culturais e tecnológicas – evolução muito mal compreendida em toda parte.

A perda de renda e o medo de que amanhã será pior, sensível entre os menos afortunados, são os itens que estão virando o mundo do avesso. Quem fala à alma, por exemplo, dos mais de 70% da população com renda de até cinco salários mínimos, mal atendidos pelos serviços públicos, cercados pelo crime? E olhe que no Chile o panorama social é bem menos grave.


Manifestações crescentes no Chile já duram oito dias(foto: PABLO COZZAGLIO/afp)
Manifestações crescentes no Chile já duram oito dias (foto: PABLO COZZAGLIO/afp)


É a maioria invisível, ignorada pelos grupos organizados, que elege presidente, governador, prefeito. Aqui, no Chile, nos EUA. Mas quase nunca é ouvida. Chama a atenção só na desgraça – o prédio sem alvará que desaba, as chacinas habituais, as balas perdidas. Se a esperança esvanece, qualquer coisa vira motivo para fúria sem aviso prévio. É o que se assiste com frequência cada vez maior no mundo.
 
Prudência é a postura correta, como advertiu Mervyn King, ex-chefe do Banco da Inglaterra, numa concorrida palestra durante a assembleia anual do FMI em Washington. “Outra crise econômica e financeira será devastadora para a legitimidade do sistema de democracia de mercado”, disse ele. Nos EUA, 181 chefes de grandes corporações, do JP Morgan à Amazon e GM, divulgaram documento em que renegam o conceito de que a missão principal das empresas é apenas gerar lucro aos acionistas.
 
Tais transformações põem em causa pilares da ortodoxia monetária e fiscal e, implícita às novas visões, a ideia de que tudo estará mais bem cuidado quanto mais tecnocráticas forem as decisões. Mais sábio dar ouvidos a quem importa e a seus sinais. Isso não é terrorismo.

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