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Estado de Minas

A lei vale para todos


postado em 18/08/2019 04:00


É tempo de discutir o que está acontecendo. Parada a economia não se encontra. Nem a política. A tendência de longo prazo para ambas está sendo endereçada, assumindo-se a aprovação da reforma da Previdência como resolvida também no Senado, a tributária a caminho e a não menos importante legislação contra abuso de autoridade – a outra face do crime de desacato à autoridade já previsto no direito brasileiro.

Não há Estado sem um governo investido de autoridade para governá-lo dentro de seus limites organizacionais, fiscalizado pelo Parlamento sob a égide da Constituição e da legislação aplicadas pelo Judiciário com independência operacional. É o chamado Estado de direito, em que se harmonizam os três poderes – Congresso, Judiciário e Executivo. E nesta ordem de precedência, subvertida lentamente nos últimos anos.

Olhemos para os EUA, fonte de inspiração de nosso presidencialismo. Como escreveu James Madison, um dos “pais” da Constituição de 1789 e até hoje em vigor: “No governo republicano, a autoridade legislativa, necessariamente, predomina”. Aqui também é assim. Mas só no papel. É o que a atual legislatura sinalizou que pretende exercer de fato.

Não se trata de “parlamentarismo branco”, como dizem, sugerindo uma redução dos poderes do presidente da República, mas de o Congresso se obrigar ao que lhe dita a Constituição. Errado foi descumpri-la. E o governo perder autoridade para a crescente autonomia de suas partes.

O colapso das contas públicas, a corrupção sistêmica, o quadro de pobreza endêmica, o crescimento estagnado em meio a um processo de obsolescência industrial e de regressão tecnológica, social e cultural comparado ao resto do mundo, tudo isso tem origem e causas perfeitamente identificáveis, apesar de mal diagnosticadas.

Vivemos uma crise do Estado ingovernável, que se manifesta sob mais de uma forma. Há a aliança informal, com fins de predar os dinheiros da sociedade, entre a elite da burocracia com castas de profissionais liberais e setores econômicos retrógrados. Parlamentos fracos desde a Constituição de 1988, formados, em geral, por políticos incapazes de entender seu papel na ordem constitucional, permitiram a invasão das competências legislativas pelo Judiciário ou pelo Executivo.
Poder popular usurpado
Todos se aproveitam do cipoal legal e regulatório aplicado como se fosse proteção contra desmandos do capitalismo e do arbítrio estatal. Na prática, as corporações do Estado usurparam o poder popular.

Os pontos de inflexão, em síntese, são dois. O primeiro está no fim de linha da estrutura tributária e do endividamento público, os dois no limite da exaustão devido à captura do Estado nacional pelos seus operadores e suas contrafaces privadas. Desde 2014, o governo federal fecha as contas com déficit, mesmo sem o ônus da dívida pública.

Isso significa que gasta mais do que arrecada, obrigando-se a emitir títulos de dívida, cujo giro suga mais de 70% dos recursos livres de empresas e famílias, segundo dados da FIPE-Cemec. A nesga que sobra banca o crédito para capital de giro, crediário do varejo, cartão de crédito, concedidos a juros abusivos tamanha a sua pequenez frente a demanda – 48% do PIB, contra mais de 100% nas economias avançadas e emergentes. Crédito no Brasil é artigo de luxo.
Controlar sem asfixiar
O segundo ponto de inflexão na ordem constitucional é decorrência do esgarçamento do combate à corrupção. Não do indiciamento de suspeitos e a apresentação de denúncia à Justiça, levando ou não a condenações.

O problema foi a forma para se chegar às condenações. Como envolviam figurões, usou-se o recurso dos vazamentos à imprensa para indignar a sociedade e prevenir a eventual condescendência das cortes superiores com os denunciados mais notórios, como o ex-presidente Lula.

É o que implicou renovação em curso das práticas políticas, mas em menor grau das causas que manietam a governança do Estado como parte ativa do processo de desenvolvimento pelas razões listadas acima.

De algum modo, chegou-se a um cenário em que os órgãos de controle buscam legitimar-se vazando suspeitas ou denúncias ainda sem prova, muitas vezes de forma anônima e sem resultar em processos abertos. É esse o sentido da lei contra abuso de autoridade: obrigar o aparato de Justiça e inquisitorial a se responsabilizar pelos seus atos.
As origens dos desmandos
Vai-se chegando, assim, à correção das origens do desgoverno, parte ou em grande parte do STF, ao declarar inconstitucional a cláusula de barreira, em dezembro de 2006, que restringia os partidos sem votos.

O mau passo do Supremo fomentou o tal presidencialismo de coalizão, na prática, a compra de apoio parlamentar pelo presidente por meio do loteamento do governo aos partidos, escancarando-o à corrupção. Mais: concedendo privilégios ao sistema de controles, na expectativa de que fingiriam não ver os ilícitos.

Só que o ataque à corrupção acabou de algum modo degenerado, ao se prestar a criminalizar o Congresso e coagir o Executivo por meio de vazamentos direcionados que não pouparam nem o presidente Bolsonaro e sua família antes da denúncia formada. E no bojo de ação envolvendo outros políticos não merecedores da mesma atenção dos investigadores.
O placebo dos ajustes
A grande discussão está só começando. Há mais em questão que a suposta ameaça esquerdista que assombra Bolsonaro e seus apoiadores. O problema é o Estado capturado e a tentativa de retomá-lo por meio de reformas fiscais, teto constitucional de gastos etc.

Tudo isso é placebo se não enfrentadas as autonomias em excesso das corporações, mesmo legais, e as ilhas de regalias. Na Constituição de 1946, segundo o advogado André Araújo, não se confundia a autonomia funcional dos poderes com liberalidade orçamentária, caso da Justiça e da Assembleia de estados falidos, como o Rio e Minas Gerais, em que não lhes faltam repasses, enquanto servidores recebem com atraso.

A política do atual governo não ataca 
nenhuma dessas distorções.

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